Mariana Nunes
mariana nunes_diego Crédito: Diego Bresani/Divulgação. Mariana Nunes: "O que me anima é ver que tem uma geração nova de negras atrizes chegando com muita força. Tenho muita esperança na nova geração" Atriz Mariana Nunes

Brasiliense Mariana Nunes se mostra mais madura em Carcereiros

Publicado em Entrevista

No ar em Carcereiros, brasiliense Mariana Nunes se vê numa fase especial da carreira e enfrenta as dificuldades de ser uma atriz negra no país

A atriz Mariana Nunes está mais madura. Assim como Janaína, personagem que defende na segunda parte da primeira temporada de Carcereiros, seriado exibido nas noites de quinta-feira na Globo. É a própria atriz brasiliense que enxerga esse amadurecimento.

“É muito gostoso retomar um personagem em uma nova temporada porque o personagem se encontra em outro momento da vida, assim como você também. É meio como amadurecer juntas”, afirma Mariana, que já gravou a segunda temporada do seriado, prevista para ir ao ar ano que vem.

O amadurecimento apontado por Mariana Nunes também está, aos poucos, chegando ao mercado, ainda hostil a mulheres e a profissionais negros. “Eu preciso sempre fazer a primeira cena (e mandar bem!) para que as pessoas da equipe que não me conhecem criem alguma empatia comigo. O que me anima é ver que tem uma geração nova de negras atrizes chegando com muita força. Tenho muita esperança na nova geração”, comenta a atriz.

Na entrevista a seguir, Mariana fala sobre teatro, cinema e Brasília, cidade onde nasceu — “Sinto muita falta dos meus amigos e da minha família. Gostaria de estar mais presente na cidade”.

Entrevista// Mariana Nunes

Você voltou há pouco para a segunda parte da primeira temporada de Carcereiros. Como é retomar um personagem? É mais fácil do que criar um novo?
Não sei se é mais fácil, mas é muito gostoso retomar um personagem em uma nova temporada porque o personagem se encontra em outro momento da vida, assim como você também. Entre a primeira e a segunda temporada de Carcereiros se passou mais ou menos um ano. É como reencontrar uma pessoa íntima que você não vê há algum tempo e que vocês têm que se atualizar das mudanças, das novidades. Você não é mais a mesma atriz de um ano atrás e o personagem também não é mais a mesma pessoa. É meio como amadurecer juntas. Foi muito prazerosa essa experiência.

A Janaína terá dramas novos nesta temporada? Como será o desenvolvimento da personagem?
Não sei se já posso falar da segunda temporada porque ainda não entrou nem no Globoplay, mas a Janaína volta mais madura na relação com o Adriano e finalmente consegue alcançar seu sonho.

Você trabalhou mais em cinema do que nas outras artes. É no set de gravação que se sente mais à vontade?
Não. Apesar de gostar muito de set (eu amo filmar) acho que me sinto mais à vontade no teatro. No set existe muita gente trabalhando ao mesmo tempo e no mesmo espaço que você e isso te exige muita concentração.

Atriz Mariana Nunes
Crédito: Diego Bresani. Mariana Nunes está em estado de graça na TV

Carcereiros tem uma linguagem cinematográfica e é dirigido pelo José Eduardo Belmonte, que é um cineasta. Isso facilitou o trabalho para você?
Eu já trabalho com o Belmonte há bastante tempo. Primeiro fizemos o longa Alemão, que depois virou série para a televisão e nesse processo tivemos que filmar novas cenas. Depois veio a primeira temporada de Carcereiros e no começo deste ano veio a segunda. Fora isso, antes de começarmos a filmar, nós conversamos muito sobre o trabalho, sobre a linguagem proposta, sobre meu personagem, roteiro e texto. Foram muitas as etapas de construção o que, com certeza, ajudou na minha composição para esse trabalho.

Você fez três filmes internacionais. Sonha em se mudar para Hollywood e deixar o país?
Já filmei em Portugal e na Argentina. O filme americano que fiz foi filmado aqui no Brasil. Acho interessante passar temporadas fora do país. Em Lisboa passei três meses quando filmei São Jorge e foi muito bom ver de perto o movimento cultural da cidade: as festas de rua quando o tempo começa a esquentar, assistir a filmes no Cine São Jorge, acompanhar os festivais de cinema, conhecer locais que não são pontos turísticos, observar os imigrantes no país e como eles são vistos por lá. Aliás, isso me ajudou muito na minha composição para esse filme. Na Argentina foi mais rápido, tenho que voltar para conhecer um pouco mais o país. Não penso em sair do Brasil, mas temporadas são sempre bem vindas.

Ainda é mais complicada a carreira de uma atriz negra no Brasil? Por que?
Com certeza! Quando você entra em um set onde os profissionais da produção não te conhecem é quase que normal eles te tratarem como figurante. Isso se deve a um imaginário mundial, eu diria, de que uma pessoa com a minha aparência não pode ser “a atriz” do filme. Eu preciso sempre fazer a primeira cena (e mandar bem!) para que as pessoas da equipe que não me conhecem criem alguma empatia comigo. Em alguns lugares de trabalho ainda se espera uma postura dócil do profissional negro e quando isso não acontece um estranhamento é instaurado no ambiente. Nós, negrxs, estamos sempre medindo o quanto devemos falar sobre “o racismo nosso de cada dia” ou não, o quanto as pessoas vão entender o que estamos falando ou não. Sobre gênero é a mesma coisa. Na maioria das vezes é muito difícil falar sobre questões problemáticas de gênero ou raça relacionadas ao roteiro, aos personagens ou até mesmo nas relações pessoais entre os integrantes da equipe porque na maioria das vezes os diretores e roteiristas são homens brancos. Não é uma “má vontade”, mas sim uma limitação em entender e pensar sobre aquele que é diferente deles. Eu tive muita sorte nos meus últimos trabalhos onde, de cinco filmes, todos foram dirigidos por homens (quatro brancos), a maioria com uma abertura muito grande pro diálogo e para uma construção conjunta. Mas a escuta ainda é algo raro. O que me anima é ver que tem uma geração nova de negras atrizes chegando com muita força. Tenho muita esperança na nova geração.

Está à espera de uma protagonista na tevê ou para você não é isso que importa?
Protagonizar algo é sempre um bom desafio. Acabei de fazer uma protagonista no filme do Pedro Von Kruger e é muita responsabilidade não só pelo trabalho, mas por guiar, de alguma forma, o tom do filme. Sendo protagonista, em geral, você contracena com diversos atores que muitas vezes fazem apenas uma ou duas cenas em todo o filme. É importante passar segurança para o outro, jogar junto, trocar no olhar. Quando isso acontece o trabalho só tem a ganhar.

Você é brasiliense. Como é sua relação com a cidade atualmente?
Ah… Tenho ido tão pouco a Brasília… Sinto muita falta dos meus amigos e da minha família. Gostaria de estar mais presente na cidade.

Teve que sair de Brasília para chegar ao patamar que chegou hoje na carreira ou foi uma coisa que aconteceu?
Tive que sair. Eu fazia muito teatro em Brasília, mas chegou um momento em que os diretores com os quais eu trabalhava montaram uma peça onde não teria um personagem para mim. Isso me bateu como um sinal de que eu deveria tentar de outra forma e então decidi ir para São Paulo.

Você acompanha o cenário teatral daqui? Como avalia esse momento, em que se tenta revitalizar o Teatro Dulcina e estamos sem o Teatro Nacional?
Não tenho acompanhado muito de perto mas é muito triste ver o Dulcina passando por maus momentos. Uma escola que já foi tão completa com curso de cênicas, plásticas e música… a realização de um sonho de uma das maiores atrizes da nossa história, um dos melhores teatros de Brasília, com a melhor acústica… agora nesse estado… é muito triste. O Teatro Nacional é um dos maiores patrimônios da cidade. Apesar de ser um espaço que abrigava produções com ingressos caríssimos, alguns inviáveis para a maior parte da população do DF, ainda assim é uma perda muito grande para a cidade ele estar fechado.

Alguns de seus próximos projetos são com nomes da cidade, como o Renato Barbieri. Como é a parceria entre artistas de Brasília? Há como se fosse uma “turma”?
Não sei te dizer se tem isso de “turma”. Estou fora de Brasília há bastante tempo. Acho que o convite para participar do filme do Renato vem por conta do meu amadurecimento profissional e não por fazer parte de uma turma em Brasília. É pelo menos como eu penso.

Você fez trabalhos com forte viés político, como Liberdade Liberdade, Alemão e O mecanismo. Posicionar-se é um dever da arte?
Na minha opinião sim, mas isso vai de artista pra artista. Na minha arte tento sempre me posicionar de forma clara, mas muitas vezes, como atriz de uma obra, você não tem autonomia nem espaço para colocar o seu posicionamento. A atriz e o ator, apesar de serem a “cara” do trabalho, na maioria das vezes estão a serviço de muitas demandas. Não é sempre que você tem a possibilidade de marcar o seu posicionamento. É claro que a gente sempre pode dizer não para um trabalho (o que não significa que essa opção seja fácil porque na nossa profissão o que a gente mais quer e precisa é trabalhar!), mas entre a leitura de um roteiro, as filmagens, a montagem, a exibição do filme na tela e as considerações da crítica, muitas coisas acontecem.

Como fazer isso sem desrespeitar quem pensa de forma diferente?
Acho que fazer arte inclui também o diálogo com o público, com a crítica e com “o que pensa diferente”. Não acho que isso signifique necessariamente mudar o trabalho a partir da opinião de terceiros, mas acho que arte é também troca. Nós artistas temos muito medo da crítica, da não aceitação, do que vão falar, de quem não gosta do nosso trabalho. Estamos muito mal acostumados com aplausos. É quase como que as obras tivessem por objetivo maior o acerto sendo que, ao meu ver, o importante é o debate, o desdobramento. Me cansa muito sair de um espetáculo ou filme onde há a presença dos realizadores e a primeira pergunta que os artistas envolvidos te fazem é: “Gostou?”. Não existe o tempo de deixar fruir da sensação pós-obra. Tampouco existe espaço para questionamentos ou conversas que possam desenvolver a obra para além dela mesma ou quiçá negá-la. Falar que não gostou então é quase que sinônimo de ruptura da relação. Não dizer nada causa um mal estar danado! Essa é uma coisa da qual sinto falta dos meus tempos de Brasília. Na minha época acho que éramos mais espontâneos para falar sobre arte. Ou será apenas nostalgia? Não sei.