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A história como mestra

Publicado em Crônica

Era para durar um mês só, homenagem ao Dia da Consciência Negra, mas ainda estão lá, na fachada dos 36 portões de embarque do Aeroporto de Brasília, os nomes de personalidades negras de destaque. Estavam acompanhadas de um painel, explicando quem são e o que fizeram aquelas pessoas, mas não estão mais – ficaram só os nomes.

Homenagens assim são sempre importantes. Tanto quanto bustos, estátuas, cenas talhados em pedra que marcam momentos e exemplos para a humanidade – são educativos, mesmo quando os fatos são revistos pela História e os personagens envolvidos têm o tamanho diminuído ou têm a verdadeira personalidade – incluindo as maldades – revelada.

As estátuas de Lenin derrubadas em países da antiga cortina de ferro, por exemplo, deveriam ser preservadas em algum lugar, do mesmo modo que se mantém abertos para a visitação alguns dos mais odiosos campos de concentração e extermínio do regime nazista. São museus da intolerância, páginas que não podem ser esquecidas.

Na Grécia antiga, Cícero já dizia que a História é a “mestra da vida”. Ainda assim, é um ensinamento muito vilipendiado, como lembrava Darwin: “A história se repete. Esse é um dos horrores da História”. Melhor é seguir a mensagem de Mahatma Gandhi: “Se queremos progredir, não devemos repetir a História, mas criar uma História nova”.

Assim, a lembrança de grandes personalidades de ascendência africana como a exposição no aeroporto, é importante, principalmente por causa dos exemplos. Mas entre os 36 nomes, há tantos nomes estrangeiros que alguém pode perguntar se não haveria 36 brasileiros que merecessem a homenagem,

Afinal, porque Ray Charles e não Cartola? Ou Wilson Batista? Porque Hattie McDaniel (a primeira mulher a ganhar um Oscar) e não Ruth de Souza?

Por mais que Elizabeth Eckford e Rosa Parks tenham sido determinantes na luta pelos direitos sociais nos Estados Unidos, o reflexo deles no Brasil é bem menor que o de Francisco José do Nascimento, chamado Dragão do Mar, e Luiz Gama.

Por mais que o pianista Don Shirley mereça homenagem, Wilson Simonal foi o maior ídolo popular do Brasil por muitos anos – e se não estiver nos portões por causa da suposta ligação com a ditadura, a desculpa não serve porque está lá Zumbi dos Palmares, sem dúvida um líder, mas igualmente um proprietário de escravos.

E ainda faltaram Nilo Peçanha (primeiro presidente negro), Ernesto Carneiro Ribeiro (gramático), Cruz e Souza (poeta), Aqualtune (líder de quilombo), Antonio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho (escultor), Valentim da Fonseca e Silva (arquiteto), José Maurício Nunes Garcia (músico), André Rebouças (engenheiro), José do Patrocínio, Carolina de Jesus (escritora), atletas como Ademar Ferreira da Silva, João do Pulo, Leonidas da Silva. Todos esquecidos.

Só não dá para perdoar quando se esquece Pelé e Machado de Assis.

Publicado no Correio Braziliense, em 27 de dezembro de 2019