Um tributo aos chatos

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Chato é predicado democrático, conjugado em todas as pessoas e em todos os gêneros. Eu sou chata, tu és chato, eles são chatos. Aliás, nós somos igualmente muito chatos. O que varia é a intensidade e a frequência da inconveniência.

Eu mesma reconheço vários dos meus atos desagradáveis, mas, para algumas pessoas, chatice é substantivo superlativo. Ando cada vez mais intolerante a gente aborrecida. E eles aparecem os todos os lugares em diferentes circustâncias. Como praga, azedam tudo, e a todos em volta.

Estamos vivendo uma endemia de chatice. Pare para pensar e verá com quantos você esbarra ou convive por dia. Ontem mesmo conheci um. No restaurante, o cara da mesa ao lado falava tão alto ao telefone que desconfio que o interlocutor tenha deixado o aparelho no viva voz, no quarto, e foi para cozinha, sem qualquer prejuízo na comunicação.

Além de me desconcentrar, foi extremamente indiscreto ao permitir que todos os clientes soubessem da triste história da mãe da Vivi que teve um ataque cardíaco por causa de um cachorro. Um enfarte era quase o que eu estava tendo com aquele sem noção dos decibéis de sua voz.

Chato também é aquele amigo estraga prazeres que, quando você diz que está de mala prontas para o próximo destino, ele comenta: “Você só vive viajando?”

Mais desagradável ainda é aquele que nem bem seu colega é e, assim que você se senta em uma mesa de bar, quase babando por causa da linguiça alemã que alguém pediu antes de você chegar, tanta fome, comenta: “Quando te conheci (isso há pelo menos meia década), você era gorda!”. Assim, sem contexto, só pelo gosto de ser inoportuno mesmo.

Amigo, se você é daqueles que rodeia, rodeia, antes de falar objetivamente o que deseja, você é chato. Pior ainda se falar em voz baixa, pausada, de quem suplica por pena. Os não assumem os próprios erros igualmemte merecem o adjetivo de insuportáveis.

Mais aborrecimento ainda me provoca aquele que nunca fala com você, nunca te liga ou manda sequer um “joinha” pelas redes sociais, mas quando precisa de um favor, envia um lindo texto prévio sobre a saudade que estava sentindo. “Não seja inconveniente, seu chato”, eu respondo.

Chato é você que não apaga o perfil do tinder, que chama todo mundo para sair, que joga charme, liga, manda mensagem, mas se orgulha de dizer que “não se apega a ninguém.” Para você, misantropo por gosto ou por inabilidade, te digo uma coisa: você deveria aproveitar os encontros da vida para se divertir, para compartilhar bons momentos, sem rótulos e sem definições. Caso contrário, pode, no futuro, não passar de um velho rabugento, solitário e muito chato.

Fora as chatices corriqueiras. Gente que não aceita ser contrariado, gente que acorda de mau humor, que faz cara amuada em vez de dizer o que pensa. Gente maçante que se faz de coitado é chata, assim como é um tanto monótono o discurso de quem se acha demais.

Chatíssimo é quem vive reclamando da vida, encontrando problemas onde não existem. Insuportável quem não respeita a opinião do outro e debocha de quem pensa diferente. Chato é quem masca chiclete de boca aberta, que ri forçado, quem é bozinho demais. Sim, desconfio dos que são legais em excesso.

Aborrecida estou com os tipos que dão gelo no outro como sinal de desinteresse: amigo (a), deixe de ser chato a), solte o verbo, seja honesto (a) e tome seu rumo, só não escolha ser chato (a).

Acho demasiadamente chato os impacientes como eu. Mas para sermos menos intolerantes, o segredo pode ser reconhecer os próprios defeitos e aceitar que os outros não precisam acolhê-los. Faz parte do jogo. Em comum acordo, fica mais fácil conjugar o verbo “aguentar”. Eu aguento, tu aguentas, eles aguentam a minha, as deles e as suas chatices.