Um doutor em alegria

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Não sou do tipo que ri com facilidade. Sorrio sempre, mas rir, com vontade, de perder o fôlego e sentir a barriga doer, infelizmente, não é privilégio que me pertença naturalmente. Explico: não que seja antipática, mas para eu achar muita graça de alguma coisa é preciso ser realmente algo especial, o que não significa necessariamente, cômico. Meus amigos sabem que a primeira pergunta que faço quando começam a me contar uma piada é: “Você fica chateado se eu não rir?”. E eles riem da minha suposta falta de humor. Fica tudo certo, então.

Aliás, tem dias em que penso: “Como queria chorar hoje de tanto rir”. Adoro essa sensação. Se nem sempre acontece, não se trata de dureza da minha parte, mas simplesmente porque acho que gargalhar com alguém é um momento raro e precioso. Desses muitos que me recordo de rir abobalhadamente, um amigo era o protagonista. Ele roubava a cena onde quer que estivesse, e certo seria que nós, a plateia, nos divertiríamos muito com suas piadas espirituosas, inteligentes e rápidas. Quando o conheci, ele dava os primeiros passos na conquista de um diploma de médico. Não tinha dúvidas de que formado também conquistaria o mérito de ser um doutor da alegria.

Quis a vida que os anos se passassem, nos afastássemos e eu não mais pudesse me deleitar com as risadas do Flávio. Até que essa semana o reencontrei. Eu estava diante uma fila de gente doente e cabisbaixa, que esperava atendimento em um Posto de Saúde. Foi quando ele abriu a porta. Vestido com seu jaleco branco, reconheci nele o médico que sabia em que se transformaria. Mas foi quando abriu o familiar sorriso de dentes alvos, soltou a sua tão característica risadinha permanente de quem não consegue ficar muito tempo sério e as frases que mudaram o astral daquelas pessoas, que reconheci meu amigo dos velhos tempos. Ele continuava me fazendo rir e isso era excelente. Além da sua turma, agora também arranca sorrisos de quem traz no rosto a palidez causada por alguma enfermidade do corpo.

Doutor Flávio me contou que acompanha estudos que mostram que o bom humor em um ambiente hospitalar reduz o estresse. Esse medicamento, porém, ele não precisou aprender a ministrar nos longos anos de faculdade. A capacidade de fazer o outro gargalhar é mérito nato dele. Ele faz isso com a mesma naturalidade com que afere a pressão do doente. Solta piadas espontâneas. Nada é forçado. Simplesmente ele o é.

Sorte daqueles pacientes que recebem o bom dia energizado desse doutor de alegria. Apesar de não poder mudar os impasses que emperram a celeridade dos atendimentos no sistema público de saúde, Flávio leva aos pacientes alguns momentos de leveza, simplesmente fazendo-os rir.

Por isso, adoro estar em companhia de quem me arranque uma gargalhada. Se não aprecio as piadas clichês, nem comédia pastelão, muito menos palhaço. Amo rir de gente que ri alto. Risada que causa estardalhaço mesmo. Ruído do riso alheio dispara o meu, e dispenso saber a piada. Risada ruidosa como a do meu amigo Otávio, que estrala nos tímpanos, mas vem cheia de barulho. É gostosa e também incomoda. Quem se importa quando você ri junto?

Gosto da risada de minha querida amiga Marina. É uma risada ininterrupta, mansa, delicada. Risada de quem está de bem com a vida. Delícia ouvir seu risinho de quem é leve. Ela me faz rir pelo excesso da própria alegria. A doce criatura ri de tudo: por deboche, por solidariedade, por dó, por nervoso ou só por achar engraçado mesmo. Ao lado dela, rio apenas do seu riso frouxo, não me importam os motivos.

Me encanta ainda quem fecha os olhos para sorrir. Parece que apertam essa parte  da cara para liberar mais espaço no rosto para abrirem mais a boca. Gosto também de quem puxa o ar para rir a plenos pulmões. Gente que abre as narinas garantir passagem livre para o oxigênio e terem mais fôlego para “morrerem de rir”. Há de quem, eu fecho os olhos, e possa escutar a deliciosa risada.

Conheço que não contenha a bexiga tamanho relaxamento produzido pelas risadas. Desses, invejo o descontrole provocado pela euforia. Há quem chore rindo, provando que a vida é mesmo uma bela contradição. Já eu, sou dessas que gargalham alto, jogando a cabeça para trás. Jamais conseguiria rir de maneira comedida. Não teria a menor graça. Gosto mesmo é que meu corpo inteiro participe do frenesi. E risada boa, para mim, é aquela que faz a barriga doer. O resto é apenas excesso de simpatia.