Rainha de bateria? Eu?

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Que me perdoem os tímidos, mas não nasci contida. Admiro o instinto de autopreservação dos acanhados, mas meu gene da exposição foi modulado na capacidade máxima. Sempre gostei dos palcos e dos aplausos.

Quando estudante, era eu quem assumia as apresentações dos trabalhos em grupo diante de toda a turma. Não recusava convites para treinar passinhos de apresentação amadora de dança nas festas de aniversário ou em datas comemorativas da escola.

Timidez nunca me roubou o desejo de querer fazer teatro quando criança, menos ainda a pretensão de viver a protagonista da peça. Exibicionista que era, só valia se fosse esse meu papel.

Cresci controlando meu lado aparecido, muitas vezes visto com antipatia por quem prefere o anonimato e a discrição. Porém, cada vez mais, tenho a certeza de que neguei minha essência ao querer ser gente despercebida. Então, simplesmente aprendi a respeitar as diferenças: não me incomodo com o seu silêncio e você não se aborreça com meu barulho.

Tive certeza de que minha alma é mesmo ruidosa, quando, de brincadeira, ao acaso, nosso diretor do jornal me convidou para ser “rainha de bateria” do primeiro bloco de carnaval de rua da empresa. Doente por essa festa mundana e enfermo por estar longe das passarelas do Rio de Janeiro pela primeira vez nos últimos anos, ele se mobilizou para fazer nossa própria festa, no estacionamento do trabalho.

Levei o convite na piada, mas meu lado exibido logo começou a visualizar penas, plumas, brilhos e glitter. Foi quando me convenceram de que a proposta tinha, talvez, sido mais séria do que pensava e decidi ligar a pilha para entrar, literalmente, na dança.

Fui atrás de uma fantasia de passista e não contive a emoção ao me ver vestida com pedrarias, penas na cabeça e nas costas. Eu havia me transformado em uma rainha nababesca, exuberante. Bem mais típica dos meus sonhos dos que as princesas delicadas.

Deu vontade de viver aquele personagem. Mas tive receio de que a cena parecesse burlesca. Exagero de  penas e sensualidade em uma festa na rua, com colegas de trabalho.

Foi quando perguntei à minha terapeuta: “Rosângela, nesse caso, o que é carência e o que é essência?” Ela respondeu de forma simples e direta, não sem a antes dar uma risada de quem aprovava a minha reflexão. “Essência é aquilo que você faz por você, e carência é o que faz esperando o amor e o retorno do outro!”

Então, para chegar a uma resposta, fechei os olhos e me imaginei exuberante naquela roupa de efeito extravagante. Não via plateia na cena. Era só eu, abrindo os braços, movendo o corpo ao ritmo da bateria, me sentido uma diva como toda mulher sonha ser em algum momento da vida. Sim, aquilo era minha essência de gente exibicionista. Era por mim que eu faria.

A roupa está escolhida. A data da festa, marcada para o próximo sábado. Samba no pé, me falta. Mas o desejo é o de ser levada pela música, com aquela coroa prata com azul berrante. Se na hora terei coragem, não sei, mas, de tudo isso, valeu uma descoberta: sim, carrego em mim penas de fêmea de pavão, prontas para se abrirem e serem escancaradas.

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