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Eu e meu mandacaru

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Estou vivendo uma fase tão egoísta da vida que todo tempo que me resta livre quero dedicá-lo a mim mesma. Assim, com o coração narcisista, resisti muito à ideia de ter uma planta em casa. Não quero nada que dependa de mim para viver, que me vá roubar alguns minutos que seja para que eu possa dar água ou me preocupar com quem assumirá tal tarefa em minha ausência.
Reconhecido meu lado mesquinho, nunca quis cultivar flores ou folhagens. Até que me vi fisgada pelo encanto do improvável. Foi quando me rendi à rusticidade de um mandacaru e o levei para casa.
Confesso que até eu estranhei quando tentei encontrar o melhor lugar na sala para meu novo companheiro. Difícil carregar o vaso sem se arranhar nos seus espinhos. Solitário, ele ganha um ar demasiadamente fálico, que pode incomodar mentes mais pervertidas. Era muita rigidez ao lado de minha bailarina de bronze, que fica também na minha sala, exibindo movimentos elásticos e suaves com os braços.
Mas me encantei com o tal mandacaru. Para ele, comprei vaso prata requintado. Ele merece. Assim como as pessoas aparentemente duras, essa planta da família das cactáceas tem dulçor escondido por trás da aspereza.
Típica de regiões muito secas, como a caatinga, os cactos e seus parentes são verdadeiro sobreviventes da inospitalidade. Se travestem de aparência rude para afugentar inimigos, assim como fazem as pessoas que querem esconder profundas fragilidades. Justamente pelos espinhos, o mandacaru deixa de ser presa fácil para bicho herbívoro. Ah, que esperto mandacaru!
Como não admirar planta que, para não morrer de sede, cria caule grosso a ponto de não deixar evaporar a água em ambiente de rachar até o solo? Assim tem gente, que guarda dentro de si os maiores tesouros para não ser sugado pela inveja, ganância ou maledicência do bicho homem.
Esteticamente, essa planta não atrai muito os olhos de quem prefere cores e flores, mas ganhou os meus. Acho bonita a rigidez da espécie, que denota resistência. Admiro a delicadeza das pétalas, mas me entendia a fragilidade e o “não me toques” dos belos floridos.
Mandacaru tem a formosura dos que aguentam, dos que são independentes. Como não amar uma planta que me exige água apenas, no máximo, duas vezes ao mês? Como não optar por tê-la ao saber que não irá desvanecer em um clima quase desértico como o da cidade em que vivo? Ao contrário, com o sol e o calor ela ficará ainda mais bela.
Gosto de gente com alma de cactácea. Deve ser por isso que me encantei com minha nova planta. Admiro os firmes e os corajosos. Os destemidos e igualmente dóceis. O mandacaru serve de alimento em seu ecossitema. Sobrevive à escassez para fazer perpetuar outras espécies. Que nobre destino tem ele.
Como não acolher a planta inflexível, capaz de te ferir com espinhos, mas que dá frutos e flores? Sim, das cactáceas desabrocham belas flores, que só abrem pela noite e já murcham pela manhã. Só os sortudos têm o prazer de conhecê-las. Os membros dessa família não se exibem. Preferem manter a fama de mal, assim como espécie de humano desvenda a alma apenas para poucos privilegiados.
Decidi, então, ter minha pequena amostra de caatinga, dentro da minha casa, no meio do cerrado. Certa e alegre com minha decisão, carreguei meu mandacaru no colo e fui pagá-lo. Não me surpreendi quando a caixa da loja olhou com desprezo para ele e perguntou: “Você gosta de planta esquisita assim?” Confirmei em um sorriso, enquanto a outra vendedora acrescentava: “Você só é diferente, né?” Mais uma vez, consenti rindo.
Sim, talvez eu seja mesmo esquisita por enxergar beleza além do óbvio. Talvez eu também seja um tipo de mandacaru gente, que guarda o que tem de melhor para oferecer só para quem merecedor for.
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