Uma pergunta, uma resposta, e a emoção única de entrevistar o herói uruguaio Ghiggia

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Ghiggia deixa coletiva na Costa do Sauípe (BA) em carrinho de golfe: 2013

Dezembro de 2013, Costa do Sauípe (BA). Sorteio dos grupos da Copa do Mundo de 2014. Na véspera do evento, os jogadores convidados pela Fifa para retirar as bolinhas concedem entrevista coletiva. Sentado no auditório, vejo em carne e osso ali, a poucos metros de mim, dois dos maiores carrascos do Brasil na história das Copas: o uruguaio Ghiggia e o francês Zidane.

A disputa entre os jornalistas para pegar o microfone e fazer uma pergunta é grande, mas o cansaço de ficar com a mão levantada vale a pena. Era, talvez, uma chance única de interagir com quem eu só conhecia dos livros revistas de futebol. Recebo o microfone e pergunto a Ghiggia com um frio na barriga e medo de gaguejar diante da lenda se ele se sente mal em ser chamado de verdugo (carrasco) todas as vezes que pisava no Brasil. Até que ponto aquilo o aborrecia, irritava, tirava do sério ou massageadoras o ego.
Ghiggia responde com o respeito e a elegância que sempre marcaram sua relação com o nosso país. Nas entrelinhas, diz que se sente uma espécie de bem amado. “Para mim, o Brasil é como uma segunda casa, as pessoas me conhecem e me apreciam, apesar de tudo o que aconteceu no futebol. Estou muito contente por estar aqui. Tenho muito orgulho de ser uruguaio, mas respeito muito o Brasil, é um país alegre, sempre somos recebidos bem e isso me chama muito a atenção. O futebol é assim mesmo, se ganha um dia e se perde em outros. Sei que o povo ficou triste naquele dia (da final da Copa de 1950), mas depois o Brasil se refez e ganhou tantas Copas”, ponderou.
Depois da coletiva, tento arrancar mais uma palavrinha de Ghiggia. Mas respeito o cansaço de um senhor, à época, de 86 anos. Ele é levado de volta ao quarto do resort em um daqueles carrinhos de golfe. Vejo Ghiggia novamente ao vivo pela última vez no dia seguinte, no sorteio dos grupos da Copa. 
O eco da resposta dele à minha pergunta e a imagem do craque retirando as bolinhas se repetirão para sempre na minha memória tantas vezes quanto vi o chute que deu o bi ao Uruguai e calou o Maracanã naquele 16 de julho — a mesma data em que o mundo da bola se despediu de Ghiggia. Descanse em paz e conte nos mínimos detalhes ao Barbosa a história do 7 x 1 quando reencontrá-lo lá no céu. O último dos 22 personagens daquele jogo agora tem muita história para contar na entrevista coletiva lá de cima.
Obrigado por fazer um repórter feliz, Ghiggia!