Um bate-papo com Jorge Luis Pinto, técnico colombiano da Costa Rica na campanha histórica dos “Ticos” na Copa de 2014

Publicado em Sem categoria

Publicada na edição de domingo (1/3) do Correio

Jorge Luis Pinto Afanador é colombiano da cidade de San Gil, mas quando o assunto é Seleção Brasileira, parece um “Pachecão”. Técnico da Costa Rica na Copa de 2014, o senhor de 61 anos fala na entrevista por telefone ao Correio como se fosse um torcedor verde-amarelo. Inconformado com o 7 x 1 na semifinal do Mundial, define o placar como “o mais catastrófico da história do futebol”. Sem papas na língua, culpa os colegas daqui, a começar por Luiz Felipe Scolari, pelo fim do respeito à camisa verde-amarela e cobra mudança de mentalidade. Diante do sucesso de treinadores sul-americanos na Europa, como o argentino Diego Simeone (Atlético de Madri) e o chileno Manuel Pellegrini (Manchester City), o atual comandante de Honduras solta a língua no bate-papo a seguir e chega a dizer que falta conteúdo aos donos de prancheta do nosso país para trabalhar nas principais ligas do Velho Mundo. Sondado pelo Vitória no ano passado, Jorge Luis Pinto preferiu o projeto de Honduras, mas não descarta trabalhar em um clube daqui. O preferido é o Timão por causa da amizade com dois treinadores. “Aprendi a gostar do Corinthians com o Oswaldo Brandão e o Professor Teixeira (José de Souza Teixeira)”, conta.

FUTEBOL BRASILEIRO

Você perdeu amistoso para o Brasil por 1 x 0 dois anos antes da Copa. Esperava ver aquele time que o derrotou em 2012 humilhado pela Alemanha por 7 x 1?

Isso nunca passou pela minha cabeça. O Brasil nos venceu com dificuldade naquele dia. Neymar fez um belíssimo gol. Mas nunca passou pela minha cabeça que mais à frente aconteceria um desastre como foi o 7 x 1. Como torcedor do Brasil, sinto que foi o resultado mais catastrófico da história do futebol. Muito pior que o Maracanazo. Em 1950, pelo menos houve uma partida disputada por dois times. O Uruguai venceu por 2 x 1 com um gol no segundo tempo. Não foi um jogo qualquer. A derrota para a Alemanha envergonhou o povo brasileiro.

O que aconteceu com o Brasil?

Os jogadores sentiram a pressão de jogar uma semifinal em casa. E sem o Neymar. Além disso, pareciam esgotados fisicamente e psicologicamente. Isso facilitou para a Alemanha.


O 7 x 1 é a medida exata da diferença entre Brasil e Alemanha ou foi um exagero?

Naquele dia foi a diferença certa. E poderia ter sido pior…

Onde Luiz Felipe Scolari errou?

Na convocação. Eu não abriria mão de Ronaldinho Gaúcho, de Kaká, de Robinho. Eles seriam fundamentais em algum momento.  Além disso, o time parecia mal configurado taticamente, com métodos ultrapassados. Foi a pior Seleção Brasileira que eu vi jogar em uma Copa.

Por que o Brasil perdeu o respeito?

O estilo brasileiro está fundamentado em cima da técnica e não na dinâmica de jogo. Sou colombiano, mas torço pelo Brasil. Eu acompanho. Não há estrutura tática, apenas técnica, preparação física, jogadores fortes. Os métodos de treinamento precisam mudar.

Por isso o Brasil não tem treinadores na Europa?

Esta é a prova (repete três vezes). Hoje, os treinadores brasileiros não têm conteúdo para trabalhar nas principais ligas de futebol do mundo. O pensamento precisa mudar. Não é porque se ganhou cinco Copas de determinado jeito que tem que se repetir a fórmula.

O que espera do trabalho de Dunga?

Que não baseie a Seleção apenas no talento de um ou dois jogadores.  Para mim, hoje, vale muito mais a preparação tática, física e psicológica do que a cor da camisa. O Brasil precisa entender isso. As equipes com menos história podem derrotar adversários supostamente superiores. A Costa Rica foi um exemplo disso.

Neymar é o único diferencial do Brasil?

Acredito muito que ele será eleito em breve o melhor jogador do mundo. É versátil, talentoso, rápido, criativo, corajoso e está aprendendo muito com Suárez e principalmente com o Messi.

Recebeu algum convite para trabalhar no futebol brasileiro?

Em outubro, fui procurado por um empresário de Salvador. Ele apresentou uma oferta para eu ser técnico do Vitória nos últimos meses do Campeonato Brasileiro. Eu disse que preferia começar a temporada em janeiro. Infelizmente, não houve acordo.

Deseja trabalhar um dia em qual clube brasileiro?

O Corinthians me encanta. Aprendi a gostar do time por causa da amizade com um grande treinador brasileiro, o Osvaldo Brandão. Aprendi muito com ele. Mas vamos com calma, o time está muito bem entregue ao treinador que voltou (Tite).

Quem são os melhores jogadores brasileiros que você viu jogar?

Pelé, Gérson, Falcão, Garrincha, Neymar. São muitos (risos)…

COSTA RICA

O que mudou na sua vida depois de levar a Costa Rica às quartas de final na Copa?

Fui a um congresso de treinadores na Alemanha e recebi os cumprimentos de todos. O mesmo aconteceu no Chile recentemente. Se aquilo não tivesse acontecido nem você estaria ligando para falar comigo (risos).

 A expressão grupo da morte morreu depois que a Costa Rica avançou em uma chave com três campeões mundiais, Uruguai, Inglaterra e Itália?

Quebramos uma escrita, um paradigma. A partir de 2014, sempre que houver um grupo da morte no sorteio lembrarão que a Costa Rica terminou em primeiro lugar em uma chave que tinha um tetracampeão mundial, um bi e um campeão.  Não há mais que temer os grandes.

Por que a Costa Rica foi a sensação do Mundial?

Fomos aplicados. A expressão mais linda que ouvi, até hoje, é que fomos uma seleção extremamente tática. Nossa disciplina mostrou que é possível deter os favoritos. Eu não poderia intimidar os meus jogadores e criar o temor de que seria impossível. Transmiti confiança, otimismo e muita gana.

Qual foi a sensação de vencer Uruguai e Itália e quase eliminar a Holanda?

Até hoje, quando revejo os jogos, não consigo explicar o sentimento de vencer adversários tão fortes, de perder nos pênaltis para uma seleção três vezes vice-campeã mundial.

Quais são as maiores recordações?

Um, a Itália parada, assustada diante da Costa Rica. Dois, o nosso poder de reação quando perdíamos por 1 x 0 para o Uruguai. Três, o equilíbrio e a segurança que nós tivemos no momento mais crítico da partida contra a Grécia. Ficamos com 10 jogadores nas oitavas de final diante da campeã europeia de 2004.

O duelo com Louis van Gaal foi o mais difícil da sua carreira?

Eu posso dizer que sim. O mais difícil e emotivo também. Lamento que a Costa Rica tenha sentido o desgaste da partida anterior em que vencemos a Grécia nos pênaltis.

É o melhor treinador do mundo?

Ele não é ruim, tem muito conteúdo tático, mas não compactuo com alguns métodos dele. Eu prefiro outros três:  José Mourinho, do Chelsea; Pep Guardiola, do Bayern de Munique; e Jupp Heyckes, que ganhou todos os títulos possíveis no Bayern de Munique…

Ficou surpreso quando Louis van Gaal trocou o goleiro na prorrogação?

Não. Eu sabia que ele poderia fazer aquilo. Não nos intimidou. Falei para os meus jogadores se preocuparem em cobrar os pênaltis e esquecessem o Louis van Gaal e o goleiro (Krul) que ele acabara de colocar em campo.

A Costa Rica tem três jogadores no Campeonato Espanhol: Navas (Real Madrid), Celso Borges (La Coruña) e Campbell (Villarreal). Isso eleva o nível da seleção?

É o reconhecimento do que está acontecendo na Costa Rica. A evolução foi comprovada na Copa e ganhou espaço não só no Campeonato Espanhol, mas nas principais ligas do mundo.

Joel Campbell é o craque do país?

Não gosto de individualizar. A Costa Rica foi bem na Copa porque jogava coletivamente, com 11, e não apenas voltado para o talento de um jogador. Esse é o segredo do futebol moderno.


 Qual foi o prêmio de terminar a Copa do Mundo em oitavo lugar?

Os contratos depois da Copa do Mundo. Poucos deixaram de conseguir algo melhor. O goleiro Navas, por exemplo, está no Real Madrid. Imagina! Quando a mim, sou reconhecido.

A Costa Rica teve um técnico brasileiro. Alexandre Guimarães o ajudou em algum momento?

A experiência dele ajudou bastante. Foi o técnico da Costa Rica nas Copas de 2002 e de 2006 e disputou a de 1990 como jogador. Não desprezei o conhecimento dele.

O interesse do povo de Costa Rica aumentou depois da Copa?

Sim. Muitos canais de tevê transmitem os principais campeonatos da Europa. O Espanhol é o preferido porque os melhores do país atuam lá. Todos querem ver Mas também apreciam o Holandês para seguir Bryan Ruiz, um dos ídolos do país. É motivo de orgulho para eles.

NOVO DESAFIO

 

Por que você não renovou contrato com a Costa Rica?

Aconteceram alguns inconvenientes, comentários sem fundamentos e eu preferi sair.

O ex-jogador e hoje técnico Paulo Wanchope foi o pivô da sua saída?

Desculpa, mas não me interessa mais falar sobre isso…

Além da proposta do Vitória, quem o assediou antes de fechar com Honduras?

Recebi convite de clubes do México e da Arábia Saudita e de algumas seleções. Mas o melhor projeto foi mesmo o de Honduras.

Como está o início de trabalho?

Estou contente, disposto e convicto de que faremos um grande trabalho. Você poderá conferir em 10 de junho. Nós teremos um grande teste em Porto Alegre, contra o Brasil. Vai ser o último jogo do time de Dunga antes da Copa América e será um grande aprendizado.

Conseguirá repetir o sucesso do trabalho feito na Costa Rica?

Deus queira. Eu creio que sim. Primeiro, nós temos de nos classificar para a Rússia 2018.

Qual é o segredo para brilhar à frente de uma seleção da América Central?

Ter um método de trabalho especial, insistir nele, criar um conceito de jogo e fazer o elenco não apenas entendê-lo, mas obedecê-lo. Esse foi o diferencial da Costa Rica.

MUNDO DA BOLA

Quem joga o melhor futebol  atualmente?

Não há mais um estilo de jogo predominante, como foi no período do Pep Guardiola à frente do Barcelona. Ali, nós tínhamos a imposição de um estilo que, inclusive, inspirou a Espanha no título mundial de 2010. Temos bons times como Real Madrid, Barcelona, Chelsea e Bayern de Munique, mas não vejo protagonismo por parte de nenhum deles.

A Colômbia vive uma grande fase. Além da safra excelente, o país foi campeão sul-americano sub-20 em 2013 e vice em 2015. Que revolução é essa?

Nos últimos anos, os treinadores das categorias de base estão investindo muito na preparação dos jogadores. A revolução está acontecendo tecnicamente, taticamente e, principalmente, na dinâmica de jogo. A prova disso é James Rodríguez no Real Madrid, Cuadrado no Chelsea, Jackson Martínez no Porto…

O que você pode falar de James e de Cuadrado?

Talentosos, aplicados taticamente, dinâmicos, versáteis. James ainda tem muito a aprender, mas não ficarei surpreso se, um dia, ele for eleito Bola de Ouro.

Você foi técnico da Colômbia de 2007 a 2008. Por que não deu certo?

A experiência foi muito boa. Acontece que não entenderam o significado de uma troca de geração. Os jogadores não entenderam o processo. Trabalhei com a geração que brilhou no Brasil cinco anos antes, e não tiveram paciência comigo.  É o que está acontecendo com a Espanha. Não está sendo fácil para o Vicente del Bosque formar um novo time tão forte quanto o que ganhou a Eurocopa duas vezes (2008 e 2012) e um Mundial (2010).

Aprecia o trabalho de José Pekerman à frente da Colômbia?

Ele tem as virtudes dele. Afinal, construiu uma equipe competitiva, não é?

Quem são os favoritos ao título da Copa América?

Argentina e Brasil sempre são os protagonistas. O Chile joga em casa e a Colômbia tem uma geração brilhante. Se eu tivesse de apostar em apenas uma, elegeria o Chile favorito por ser o anfritrião e ter uma equipe muito agressiva programada pelo Jorge Sampaoli.