Um bate-papo com a rainha Marta antes da estreia da Seleção Brasileira contra a Coreia do Sul na Copa do Mundo Feminina do Canadá

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Marta na Marina de Mississauga, em Toronto, em evento do Pan

Foto: Marcos Paulo Lima

Toronto (Canadá) – Aos 29 anos, a alagoana Marta tem, a partir de hoje, mais uma chance de levar o Brasil ao título inédito da Copa do Mundo de futebol feminino. A Seleção estreia às 20h no Grupo E contra a Coreia do Sul, no Estádio Olímpico de Montreal, palco dos Jogos de 1976. Convicta do seu poder de influência, a jogadora eleita cinco vezes a melhor do mundo soltou a língua na passagem por Toronto, onde desfilou na sexta-feira passada com a tocha do Pan. Em entrevista ao blog concedida na última quinta-feira (4/6), em Mississauga, no Canadá, ela mandou recado para os clubes e o governo, protagonistas de uma queda de braço no texto da Medida Provisória das dívidas justamente devido à exigência de investimentos no futebol feminino. De carona na onda de investigações na Fifa e na CBF, ela sugere apuração da aplicação do dinheiro do fundo de legado da Copa 2014, reclama de o Mundial ser disputado em gramados artificiais e admite estar contando os dias para manipular a si mesma no controle do videogame. A versão do Fifa-16, que será lançada em setembro, virá com 12 seleções de futebol feminino. No mundo real, Marta revela que monta até álbum de figurinhas na tentativa de desvendar incógnitas como a seleção da Costa Rica e conta que pode ter descoberto uma nova Marta jogando bola entre os meninos em Alagoas.   Uma das novidades do Fifa-16 é o futebol feminino. Já sabe qual é a sua força? Ainda não sei. É tudo muito preliminar ainda, mas estou louca para saber, para me ver no joguinho. Pelo que eu estou sabendo, o produto só vai ser lançado em setembro e serão 12 seleções, não as 24 da Copa do Mundo (além do Brasil, vai ter Espanha, Alemanha, China, Canadá, Inglaterra, Itália, México, França e Suécia).   Você gosta de jogar? Muito, mas ultimamente não tenho muito tempo.   Do futebol virtual para o real. O Brasil estreia contra a Coreia do Sul na Copa do Mundo do Canadá. O que esperar da Seleção comandada pelo Vadão? Temos capacidade de ir longe. É um trabalho novo, diferente. Antes, nós tínhamos uma Seleção experiente. Natural, metade havia jogado uma Copa do Mundo. Agora, temos de ser a irmã mais velha. É uma motivação para elas e para nós. Tem meninas de 20, 23 anos.   Quais são as principais adversárias? A Coreia do Sul é rápida e bem postada. Jogam praticamente 10 lá atrás. Atacam e voltam juntas. Nós treinamos intensidade, mas vai ser difícil. A Espanha é estreante, mas tem um time de qualidade, muito toque de bola. A Costa Rica é a mais desconhecida e isso é pior. Olhando no ranking, tem EUA, Japão, Alemanha, Suécia, todos esses estão acima da gente.   A Costa Rica é desconhecida. Como você faz para desvendá-las? Um dos truques é o álbum de figurinhas. Eu vou comprando pacotinhos e montando o meu. É uma chance de saber não somente quem é quem, mas de identificar altura, peso, essas coisas.   O José Roberto Guimarães, técnico da Seleção feminina de vôlei, disse que parte do sucesso dele se deve ao fato de ter estudado a alma das mulheres. Sente isso no Vadão também? Eu não sei se ele estuda ou é natural, mas ele é um técnico muito tranquilo. Não é treinador que sai gritando. Ele ouve e as meninas são muito tranquilas. Nesses três meses, percebi que estamos mais bem preparadas mentalmente e fisicamente.   Você se sentiu incomodada pelo fato de o Joseph Blatter ter ignorado o movimento das jogadoras contra o uso de gramado artificial na Copa do Canadá? Como atleta de alto nível, eu vou sempre preferir jogar em um gramado natural. Se você perguntar ao Cristiano Ronaldo, ao Messi, eles também vão dar a mesma resposta. Aí, vão dizer, mas na Suécia, eu jogo em gramado artificial. Tudo bem, mas não fui eu que escolhi isso.   O futebol feminino ganhou espaço em jogo virtual, agora tem álbum, mas ainda falta mais investimento no futebol feminino? Ainda somos muito carentes. O apoio precisa partir da entidade maior. Temos, mas é insuficiente para um patamar de alto nível. Tem que partir das pessoas que mandam o investimento para que uma atleta jogue profissionalmente, sem ter de estudar e trabalhar.   Qual é a nota do desenvolvimento do futebol feminino no país? Acho que 6 a 7. Para chegar a 10 é preciso trabalhar. A minha preocupação é com as próximas gerações. Não vou jogar na Seleção para sempre e hoje ainda não temos atletas prontas para dar continuidade. Nós precisamos do trabalho de base para colher esse fruto. Não vai aparecer uma Formiga do nada. Falta trabalho contínuo nos clubes, na Seleção. As categorias de base precisam ser levadas a sério, garimpar meninas, criar uma liga de futebol feminino, observar se a Seleção permanente está ajudando ou atrapalhando, tem tudo isso.   Até que ponto o texto da Medida Provisória da dívida dos clubes agrada ao exigir o investimento dos clubes tradicionais em futebol feminino? Acho legal a iniciativa, mas continua tendo preconceito. Isso emperra o processo. Nós ainda precisamos quebrar a barreira social. Obrigar os clubes a investir no futebol feminino nos deixa chateado. Isso tem de partir naturalmente, não queremos colocar ninguém contra a parede. Se os clubes não querem a modalidade, vamos apoiar quem quer e precisa de ajuda para manter a modalidade. Tem clube de futebol feminino que as pessoas nem sabe que existem.   Além do preconceito, quais são os outros obstáculos para a menina que quer jogar futebol? A falta de estrutura é a maior dificuldade. Quando eu posto alguma coisa nas redes sociais, recebo mensagens de pais e mães perguntando onde levar os filhos para aprender a jogar futebol. Faltam opções até para testar alguém. Além disso, insisto, existe muito preconceito.   Na assinatura da MP pela presidente Dilma, a CBF teria censurado as jogadoras, impedido que elas fossem a Brasília. Você não estava com elas, mas sabe se isso aconteceu? Não tenho informação disso porque estava na Suécia. A gente sabe muito bem que o governo e a CBF nunca foram amigos, mas essas coisas extras nós não decidimos se vamos ou não.   Ao fim da Copa de 2014, a  dirigente da Fifa, Lydia Nsekera, exigiu da CBF o investimento de 10% do fundo de legado no futebol feminino. Isso está ocorrendo? Ela deu um puxão de orelha grande, mesmo. Temos uma estrutura mínima para nos manter. Vamos abrir uma investigação (risos).   A CBF definiu premiação em caso de título? Não falamos em premiação ainda. A gente sabe que no masculino é diferente, eles já começam a Copa sabendo os valores, mas é assim, mesmo.   Aposta em uma sucessora na Seleção? Apesar de ser muito nova, a Andressinha está tendo a oportunidade de jogar pela primeira vez uma Copa do Mundo. É uma menina que pode dar muita qualidade ao meio de campo.   É difícil achar uma nova Marta? Recentemente, um amigo meu de Maceió mandou o vídeo de uma menina que ele viu jogando muito bem no meio dos meninos. Ela tem 13 anos. Para o treinador da Sub-15 é difícil achar esses talentos. Mandei ele filmar um vídeo dela jogando e enviei para o nosso analista. A menina foi convocada para o time Sub-17. Depois dali, eu não sei o que aconteceu.   Pensa em ser empresária, dirigente depois da aposentadoria? É cedo para pensar nisso. Eu tenho 29 anos. Quero jogar por um bom tempo ainda, tenho mais três anos de contrato com o Malmö. Quando eu parar, quero me dedicar mais tempo às causas sociais. Hoje, não tenho tanto tempo. Se acontecer de assumir algum cargo será natural.   Dependendo do seu desempenho na Copa, você pode ganhar o prêmio de melhor do mundo pela sexta vez. Quem você gostaria que entregasse o prêmio no papel de presidente? Eu acredito que ainda virá o presidente (Joseph Blatter), mesmo que ele tenha renunciado, mas eu realmente não tenho preferência nenhuma no momento.   Você teve oportunidade de jogar com homens em jogos festivos. Qual foi a sensação? Antes de ser a Marta, eu admirava o Rivaldo. Ele é canhoto, eu também sou. Eu nunca imaginei que fosse jogar lado a lado com caras como Ronaldo, Zidane… Eu substituí o Ronaldo duas vezes. Na última, entrei quando o time do Zidane estava perdendo por 3 x 0. Dei até assistência para o Zidane fazer gol e nós empatamos a partida por 3 x 3 (risos).   Como vai a vida na Suécia? Eu moro em Malmö, a terceira maior cidade do país. Eu pedalo, uso carro quando é possível, tem praia… Eu moro sozinha com o meu cachorro Candinho, mas a minha família visita e de vez em quando aparece alguém especial (risos).  O sistema funciona lá. A gente paga muito imposto, mas tem isso de volta de várias maneiras. Sonho isso para o Brasil, que tudo funcione, dê retorno.   *Entrevista concedida na última quinta-feira (4/6), em Mississauga, na véspera de Marta desfilar com a tocha do Pan 2015 na cidade de Oshawa. O repórter viajou a convite do Turismo Toronto