Derico Derico e a Orquestra de Câmara Opus durante exibição de Natal em Florianópolis

Um bate-papo sobre futebol com o músico corintiano Derico

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Aí você está em Florianópolis com a família e encontra o Derico Sciotti, o cara do saxofone na orquestra do Programa do Jô. O encontro vira um bate-papo sobre futebol. E a resenha uma entrevista bacana com o músico corintiano. Na conversa a seguir ele fala das composições de Lamartine Babo para os clubes, diz que, talvez, Chico Buarque e Caetano Veloso não teriam capacidade de fazê-las, conta por que passou um tempão sem ir aos estádios, elege a maior desafinada e o maior concerto que testemunhou no futebol, fala que anda desiludido com o futebol brasileiro e prefere ver jogo internacional, chama Tite de maestro, pede uma faxina na CBF e revela quem é o seu maior ídolo no esporte bretão. Tudo isso antes de passar o som para o concerto de Natal com a Orquestra de Câmara Opus, no Costão do Santinho.

 

MPL — Qual é a sua opinião como músico sobre os hinos dos clubes de futebol?

Derico — Houve uma época em que eles foram compostos por grandes músicos, por grandes compositores brasileiros, que tinham essa destreza. Hino é uma destreza. Você precisa ter uma inteligência específica musical para compor hino. Chico Buarque e Caetano Veloso, talvez não componham hino… É uma linha de composição, de inteligência da música que faz com que a pessoa tenha o sucesso que Lamartine Babo e outros músicos também tiveram.

São bonitos?

Derico — Muitos são belíssimos, de melodia, mesmo. Muito têm uma pegada de motivação, com melodias populares, e tem hinos um pouco mais difíceis, rebuscados, menos populares. Eu sou mais a favor dos hinos populares, como o hino do Corinthians, do América-RJ, todos os hinos dos clubes cariocas são muito bem feitos.

MPL — Já gravou algum?

Derico — Um monte, gravei um monte do Corinthians. Eu sou fiel (risos).

MPL — O hino do Corinthians é o mais bonito?

Derico — Com certeza. Pra mim…

MPL — Quando você entrou para o bando de loucos?

Derico — É de família. Eu nasci corintiano. Meu pai é corintiano, meu avô era corintiano. Eu sou caçula. Os meus irmãos mais velhos, um era são-paulino e o outro palmeirense, mas isso durou três jogos. Eles eram muito mais influenciados por amigos, por tios… Quando eu nasci, todo mundo já era corintiano. Só vejo fotos dos meus irmão com a camisa do São Paulo, do Palmeiras, mas foi tudo muito efêmero. A família é toda corintiana de coração.

MPL — Como é a sua relação com o Corinthians?

Derico — Agora, eu tenho uma relação mais efetiva. Eu fiquei muito tempo longe do futebol por causa de um trauma. Eu participei como torcedor de um jogo no Pacaembu, onde eu ia muito, de uma partida entre Corinthians e Flamengo pela Libertadores de 1991. O Flamengo enfiou 2 x 0 no Flamengo, cara, mas foi uma guerra…

MPL — O jogo da Noite das Garrafadas?

Derico — Isso, a Noite das Garrafadas, exatamente. Eu estava no alambrado, cara, e voava engradado de cerveja, meu. Acho que foi a partir daquele dia que passaram a banir bebida alcoólica dentro de estádio. Foi uma loucura, cara. Catarse, as pessoas estavam indo para o campo, pulando o alambrado por nada, pela simples motivação da guerra. Aí eu falei, ah, cara, não preciso mais disso e passei um tempão sem ir ao campo.

MPL — Superou o trauma?

Derico — Depois disso, de uns 10, 12 anos, fui a um jogo entre Cruzeiro e Santos. Eu estava em Belo Horizonte fazendo um show e era uma partida boa de se ver e foi ali que eu disse: ‘Dá para assistir jogo ainda’. Voltei devagar e agora estou mais efetivo. Fui jurado do “Canto por ti, Corinthians”, estou com alguns projetos dentro da Arena do Corinthians, com uma relação um pouquinho maior com a presidência para saber como funcionam as coisas dentro do clube.

MPL — O Corinthians é o clube com mais sócios-torcedores no país. Você é um deles?

Derico — Não sou sócio, mas gosto muito de participar. Eu tenho um amor muito grande pelo clube.

MPL — O Corinthians é o time que joga por música no futebol brasileiro?

Derico — Eu acho que o Tite é um belo de um maestro. Ele conseguiu juntar as peças e montar uma orquestra independente de quem é spalla, de que é primeiro, segundo violino… É um grupo muito harmonioso e isso se reflete no resultado. Independentemente de você ter as peças boas, jogadores que desequilibram, o Corinthians tem um time muito bom, uma estrutura. Não é um Barcelona, mas o modelo vai na linha do Barcelona. O Tite muda as peças e o estilo não muda. O Barcelona tem um padrão de anos e o Corinthians está começando agora. Estamos anos-luz longe, mas o caminho é esse. Poucas equipes têm esse maestro.

MPL — Tite é o único?

Derico — O Muricy Ramalho era um pouco assim. O São Paulo foi tricampeão brasileiro de 2006 a 2008. Foi uma época de muita determinação. Houve a época do São Paulo do Telê… Há pouco tempo teve a celebração dos títulos de 1992 e 1993, o time jogava pá, pum, era muito legal.

MPL — Qual foi a maior desafinada que você viu no futebol: o 7 x 1?

Derico — Cara, no 7 x 1, não houve uma desafinação. Desafinação é quando você tem um grupo todo estruturado, como uma orquestra, um grupo todo ensaiado, e uma pessoa se destaca erroneamente fazendo alguma coisa momentânea. Erra a nota, comete uma desatenção… Isso acontece muito na música, você percebe, mas diz, não, não, não. Ou é um show inteiro assim ou é pontual. O 7 x 1 eu percebi desde o primeiro jogo que o Brasil não tinha estrutura para jogar a Copa do Mundo. Se o Brasil tivesse participado das Eliminatórias, a possibilidade de não ter entrado na Copa era muito grande. Não havia estrutura. E ainda assim pegou o quarto lugar a duras penas. Desafinada, para mim, foi em 2010, na África do Sul. O Brasil fez um primeiro tempo ótimo contra a Holanda e depois perdeu o foco. O Júlio César errou, o Felipe Melo pisou no Robben, o que é aquilo? Ali foi uma bela desafinada.

MPL — E o concerto da sua vida?

Derico — O 1 x 0 de 1977 contra a Ponte Preta. Aquilo foi épico. Ser campeão paulista não quer dizer absolutamente nada, meu, mas naquele contexto, era tudo o que a gente queria na vida. O Corinthians continuava sendo um time regional e foi assim até ganhar o Brasileiro em 1990. Era um timinho com uma torcida absurda, com história, a democracia, e conquistas medíocres. A partir de 1990, o Corinthians passou a entender que poderia ser maior do que era.

MPL — Mas fala da partida de 1977…

Derico — Aquela partida foi sensacional. O Morumbi tinha mais de 100 mil pessoas, bicho. Eu lembro que eu estava no segundo anel, atrás de um outro cara que estava de pé. Era muita gente, cara, mas foi bacana, indescritível, épico, como eu falei, sobretudo o gol do Basílio.

MPL — Você ainda tem prazer de assistir jogo pela tevê que seja?

Derico — Não. Eu tenho prazer de ver alguns jogadores, como o Neymar, por exemplo. O futebol brasileiro está muito ruim, muito triste. Não tem mando, não tem maestro, falta quem gerencie, faltam boas ideias, gente que tire times históricos do ostracismo. O Pelé surgiu no Noroeste de Bauru, cara. O Sócrates veio do Botafogo de Ribeirão Preto. O Roberto Carlos começou no União São João de Araras. Nós perdemos essa essência. São times que hoje estão morrendo. Uma das grandes épocas do Corinthians foi quando trouxe do Mogi Mirim o Válber, o Rivaldo e o Leto. Faltam ideias para que o futebol seja mais rentável, emocionante.

MPL — Que tipo de jogo prende você na frente da televisão?

Derico — Eu vejo Barcelona, eu vejo Real Madrid, eu vejo Paris Saint-Germain, Bayern de Munique. É uma pena, cara, mas ficar vendo jogo do Corinthians, mano. Eu vejo porque eu sou Corinthians, mas se eu tiver uma coisa um pouquinho mais legal para fazer eu faço. A sedução não está mais me pegando, ainda mais com essa crise toda política, no futebol. É hora de tentar tirar o Marco Polo Del Nero, de limpar a CBF, de fazer com que as federações entendam que não existe mais a vaca das tetas. Quem sabe um dia isso mude.

MPL — Quem é o teu maior ídolo?

Derico — Marcelinho Carioca. Ele foi demais, cara. Além de tudo, ele se tornou um amigo. Eu estava no Jô, virei uma pessoa pública também, ele gostava muito de mim, conversávamos muito quando ele ia ao programa, então ele se tornou uma pessoa muito querida. E jogava demais, cara. A relação dele com o Corinthians era muito sincera, muito íntima. Eu vi bastante gente jogar no Corinthians. Rivellino, Sócrates, Neto, o Zé Maria, o Casagrande, mas eu particularmente me identifico com o Marcelinho Carioca.