Entrevista Bauza

Um bate-papo com o técnico Edgardo Bauza

Publicado em Sem categoria

Era um sábado de manhã. Depois de uma troca de mensagens no WhatsApp, um dos técnicos mais cobiçados das Américas topava dar entrevista ao Correio. “Manda as perguntas para o meu e-mail.” Edgardo Bauza não deixou nenhuma sem resposta. Organizado como nas montagens da LDU campeã da Libertadores de 2008 e do San Lorenzo campeão continental em 2014, enumerou uma a uma. Aos 57 anos, El Patón, como é conhecido na Argentina, tem um sonho: trabalhar no Brasil em 2016. E não está nem aí para as dificuldades. No bate-papo com o Correio, ignora o fato de o hexacampeão Corinthians ser o único time que manteve o treinador do início ao fim do Campeonato Brasileiro. Ignora o número recorde de 32 demissões na era dos pontos corridos desde que a Série A passou a ter 20 clubes. Quarto maior zagueiro-artilheiro da história do futebol, com 109 gols, mata no peito e sai jogando ao falar dos insucessos de Ricardo Gareca, Diego Aguirre e Juan Carlos Osorio no futebol brasileiro e promete até fazer curso intensivo de língua portuguesa para driblar a barreira do idioma. Por fim, coloca Pelé, Maradona e Messi no Olimpo da bola e elege os melhores do mundo em 2015. Um é brasileiro…

Dos 20 times do Brasileirão de 2015, 19 trocaram de técnico. Só o campeão Tite (Corinthians) permanece. Você se sentiria confortável em trabalhar no nosso país?
Cada clube tem as suas metas. Quando não alcança, o técnico é o primeiro atingido. Não concordo com isso. A continuidade traz bons resultados. Mas suportar a pressão dos dirigentes, às vezes, não é fácil. Trabalhar no Brasil é um desafio que eu quero muito, por tudo o que representa. E aconteceria em um momento muito bom para mim e a minha comissão técnica.

Tem propostas de times do Brasil?
Estão conversando com o meu empresário. Não posso revelar os times, mas apareceram propostas, sim.

Flamengo, São Paulo e Atlético-MG. Qual deles prefere?
Você citou três grandes clubes. Seria uma desafio enorme comandar um deles, mas não posso apontar um. Se eu for procurado por algum deles, a minha experiência ao conversar com os seus dirigentes me dirá qual é a melhor opção.

Ricardo Gareca (Palmeiras), Diego Aguirre (Inter) e Juan Carlos Osorio (São Paulo) não tiveram sucesso aqui…
Isso não me diz nada. A missão de um técnico não é somente ser campeão. Eu tenho as minhas convicções, o meu jeito de trabalhar e o mais importante é transmitir isso aos jogadores. Eles são as peças mais importantes.

Pediria a bênção do papa Francisco?
O papa Francisco abençoa a todos, mas não faz cruzamentos nem cabeceia (risos). Vou deixá-lo em paz. Ele está tendo muito trabalho. Mas foi um prazer conquistar a Libertadores à frente do San Lorenzo, que é o time para o qual ele torce.

O idioma pode ser um empecilho no Brasil?
Não. É uma língua que conheço bastante e eu até faria um curso intensivo para poder me comunicar melhor. Eu trabalhei na Arábia Saudita (no Al-Nassr) com tradutores e mesmo assim nós chegamos a duas decisões.

Você foi campeão no Peru, na Argentina e no Equador. O que aprendeu com cada liga?
Para ser campeão em qualquer país ou torneio, o primeiro requisito é ter uma grande equipe e bons jogadores, não há segredo maior do que isso. O trabalho do treinador e dos dirigentes também é importante para que o time funcione. Além disso, cada país tem a sua forma, o seu estilo de jogo. Adaptar-se rapidamente a essa cultura é um passo importante para o sucesso.

O que pensa do atual momento do futebol brasileiro?
Sempre estará entre os mais importantes e competitivos do mundo. Nos últimos anos, o futebol brasileiro conseguiu repatriar jogadores emblemáticos que estabeleceram uma tradição em nível mundial. Há uma identidade, um estilo a ser respeitado.

O 7 x 1 abalou não abalou o império?
Não vale a pena seguir falando sobre isso. Deve ser encarado como uma aprendizagem que seguramente servirá para que não ocorra novamente e não cometam os mesmos erros contra seleções tão tradicionais. Isso pode ser fatal.

Qual time brasileiro marcou a sua vida?
Eu comecei a acompanhar futebol nos anos 1970. Ver o Brasil tricampeão mundial jogar foi extraordinário. Depois, eu tive a oportunidade de enfrentar várias equipes que ganhei e perdi e eram todas excelentes. Enfrentei o Santos na final da Copa Conmebol de 1998. Eu era treinador do Rosario Central. Recentemente, superamos um grande Fluminense em 2008, e dois excelentes times no título da Libertadores de 2014. O Grêmio e, principalmente, o Cruzeiro, eram duas grandes equipes.

Por que os técnicos argentinos fazem sucesso na Europa e os brasileiros não?
Ouço muita gente falar isso. Há técnicos com êxito no exterior, é verdade, mas eu posso citar vários que também não foram bem. O mesmo acontece com os brasileiros. Isso é muito relativo.

Você é bi da Libertadores. Como levou LDU e San Lorenzo ao título?
Eu tive tempo para formar dois belos times com grandes jogadores. Não há segredo nisso. Ajudou também a experiência que eu acumulei na competição. Preparei a equipe para partidas específicas, jogos-chave como, por exemplo, aquele San Lorenzo x Cruzeiro no Mineirão. Na minha avaliação, aquela foi a partida mais difícil da nossa campanha na Libertadores.

O título da LDU em 2008, no Maracanã, é o auge do seu trabalho?
O título da LDU foi incrível. Nós sempre entramos em campo como a equipe derrotada. Poucos acreditavam, mas havia uma convicção enorme no elenco. Nós deixamos para trás times como Estudiantes, San Lorenzo e América do México para chegar à final contra o Fluminense. A exibição em Quito, na final (4 x 2), foi a nossa melhor partida.

Você foi eleito o terceiro melhor técnico do mundo naquele ano…
Ficar atrás apenas de Alex Ferguson e de Guus Hiddink foi muito lindo. Uma consequência de tudo o que a LDU fez em 2008. Nós terminamos o ano jogando a final do Mundial de Clubes da Fifa diante do Manchester United e perdemos de 1 x 0.

Qual treinador brasileiro é a sua referência?
Admiro as trajetórias de Vanderlei Luxemburgo e Luiz Felipe Scolari, mas respeito e admiro muito os conceitos, o legado de Zagallo. Nós precisamos guardar os ensinamentos dele para sempre. A Seleção Brasileira de 1970 é uma revolução.

Você é o quarto maior zagueiro-artilheiro da história do futebol, com 109 gols em 499 jogos, atrás apenas de Koeman (193), Passarella (134) e Hierro (110). A que se deve isso?
Eu fiz 109 gols, mas era outro futebol, muito diferente do que se joga atualmente. A velocidade de hoje me impediria de avançar até a área contrária, como eu fazia quando meu time atacava. Eu era muito efetivo no jogo aéreo, determinado, decidido a buscar a bola onde ela estivesse.

A defesa é um trunfo nos seus times?
Modernidade, hoje, é atacar e defender bem. Muitos confundem. Acham que o time deve atacar descontroladamente, com muita gente. A realidade é que um time que não sabe se defender não ganha nada. Para ser campeão, é preciso ter equilíbrio.

É uma frustração não ter jogado uma partida na Copa da Itália-1990?
Não. Eu gostaria de ter jogado, claro, mas ter feito parte daquele elenco da Argentina, vice-campeão mundial, no fim da minha carreira, foi um prêmio.

A escola argentina é dividida entre menotistas e bilardistas. De que lado está?
Essa rivalidade, que existiu em outra época, era muito mais midiática do que outra coisa. Eu tive a oportunidade de trabalhar com César Menotti (técnico da Argentina no título da Copa de 1978) e Carlos Bilardo (1986). Foi um prazer. Fiquei enriquecido com tudo o que transmitiram e deixaram para o nosso crescimento como treinadores de futebol.

Além de técnico, você é cantor? Gravou um CD?
Não sou cantor (risos). Gravei um CD beneficente para ajudar um orfanato de Rosário. A ideia foi gravar um CD com pessoas que não tinham nada a ver com música. Obviamente, não foram as melhores canções nem as melhores vozes (risos).

Quem é melhor: Maradona ou Messi?
Eis uma grande discussão. Eu penso que foram os melhores em suas épocas. Isso não se discute. Para escolher entre um ou outro, ambos deveriam ter jogado juntos, para compará-los. Mas faltou um nome. É preciso levar em conta o que jogou Pelé. Mas repito: o período em que jogou Pelé é totalmente diferente da época em que atuou Maradona e da em que está jogando Messi.

Sai hoje a lista dos três candidatos a Bola de Ouro em 2015. Em quem votaria?
Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo sãos os melhores do mundo. Se perguntar quem é o melhor técnico, vou me abster (risos).