Ser ou não ser Dunga: eis a questão que intriga o técnico e ameaça sua continuidade à frente da Seleção na caminhada para a Rússia

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Dunga fracassou na primeira passagem pelo cargo de técnico da Seleção, entre outros motivos, porque foi Dunga na essência. Até demais. Fiel às suas convicções até o fim, ou seja, a derrota por 2 x 1 para a Holanda nas quartas de final da Copa de 2010, não abriu mão de ser quem é ao peitar o mundo e não levar Ronaldinho Gaúcho, Adriano, Ganso e Neymar à África do Sul, e barrar até mesmo que tinha e ainda tem os direitos de transmissão dos jogos da Seleção. Fechou a concentração e dava a impressão de que mandava mais até do que o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira. Estava com moral para fazer o que quisesse. Conquistara a Copa América, a Copa das Confederações e terminara as Eliminatórias em primeiro lugar, com direito a três resultados impressionantes fora de casa sobre o Chile (3 x 0), a Argentina (3 x 1) e o Uruguai (4 x 0).
Cinco anos depois, Dunga pode fracassar na segunda passagem pelo cargo por não ser Dunga. Acompanhei todo o trabalho do técnico na primeira passagem pelo cargo. Estive na África do Sul cobrindo a Copa pelo Correio Braziliense e testemunhei de perto como tudo funcionava sob as ordens dele. Dunga não suportava, por exemplo, as intromissões do então coordenador de Comunicação, Rodrigo Paiva. Quando Dunga foi anunciado técnico da Seleção, em julho de 2014, fiz uma longa entrevista cara a cara com ele em um hotel em Brasília para o Correio Braziliense e vi a cada resposta, a cada palavra, o mesmo Dunga da Copa de 2010. Mas aparece que algo estranhamente mudou depois daquela conversa.
Dunga parece influenciado (até demais) pelo amigo e coordenador de seleções, Gilmar Rinaldi. Aceitou até sentar-se à mesa redonda com quem claramente jamais aprovou o seu trabalho e sempre pediu sua cabeça a Ricardo Teixeira, depois a José Maria Marin, e agora a Marco Polo Del Nero. Está afável até demais com a imprensa. Não é ele. 
Dunga foi Dunga até a Copa América do Chile. Depois disso, passou a andar com focinheira. Domado por Gilmar Rinaldi, Dunga tem uma missão que vai além do hexa: dar menos — ou nenhum problema a quem já tem tantos pepinos para resolver. Estou falando de Marco Polo Del Nero.
Há várias provas de que Dunga não está sendo Dunga. Ele não gostou, por exemplo, da entrevista de Daniel Alves à ESPN Brasil enchendo a bola de Pep Guardiola e questionando os atuais métodos de trabalho da Seleção. Porém, foi orientado a não abrir mão do lateral. Rejeitá-lo seria uma clara retaliação ao jogador. Dunga já deu várias provas de que não gosta de Marcelo — inclusive ao não levá-lo para a Copa de 2010. Prefere Filipe Luis, mas está tendo de engolir o lateral do Real Madrid para diminuir a pressão. Preterir Marcelo numa convocação é inexplicável diante da falta de talento.
Dunga insiste em castigar Thiago Silva por causa da mão na bola na eliminação diante do Paraguai nas quartas de final da Copa América, mas vem sendo convencido de que a punição só provocará mais desgaste. O capitão Neymar é um dos insatisfeitos com o castigo ao colega. A gota d’água da punição de Dunga a Thiago Silva foi a lesão de David Luiz na derrota por 2 x 0 para o Chile na estreia do Brasil nas Eliminatórias. Dunga não abre mão de um par de zagueiros experientes. Sem David Luiz, terá de recorrer a Marquinhos ou a Gil nesta terça contra a Venezuela.
Um canarinho me contou que Dunga morre de vontade de convocar Felipe Melo. Ele considera o volante um líder, um cara de personalize forte como a dele, que faria parte do rodízio de veteranos que transmitiriam experiência aos mais jovens do elenco. Não convocou, ainda, justamente porque não está conseguindo ser Dunga. Há uma preocupação com a repercussão da convocação de um dos vilões da eliminação na Copa de 2010. O pior é que Felipe Melo tem atuado bem na Internazionale — e até feito gol.
Enquanto Dunga vive o dilema de “ser ou não ser” quem ele realmente é, o risco de ter o trabalho interrompido até o fim do ano, em caso de tropeços diante da Venezuela, da Argentina e do Peru, só cresce. A Seleção é bipolar. Tem 100% de aproveitamento nos amistosos e de 50% em jogos oficiais. O presidente Marco Polo Del Nero acumula problemas para resolver. Para livrar-se de mais um, é daqui pra ali. O cartola não tem apego nem com coleção de namoradas. Quem dirá com Dunga e Gilmar Rinaldi. 
Derrotar a Venezuela pode parecer barbara, mas aí vai uma última lembrança: a Venezuela só venceu o Btasil uma vez na vida. Foi em um amistoso disputado em 2008, por 2 x 0, em Boston. Lembra quem era o técnico? Dunga. Se o raio cair pela segunda vez no mesmo lugar vai ser difícil alguém assumir o papel de para-raio e blindá-lo.