Parado há 4 meses, Lúcio fala do afastamento do Palmeiras, que paga para ele não jogar, cobra dívida do São Paulo, ataca desafeto e nega aposentadoria

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Entrevista publicada no Correio Braziliense em 10/4/2015

Aos 36 anos, o brasiliense Lucimar da Silva Ferreira cansou de levar desaforo para casa. O estilão politicamente correto do zagueiro multicampeão por Seleção Brasileira, Bayer Leverkusen, Bayern de Munique e Internazionale é chutado para escanteio. Culpa, segundo ele, do desrespeito do São Paulo e da recente dispensa do Palmeiras, por telefone, na véspera da apresentação para a pré-temporada. Sem jogar há quatro meses, o capitão de Dunga na Copa de 2010 está arrependido de voltar ao país — “uma série de choques de realidade”. Entre eles, uma dívida do São Paulo na rescisão do contrato, a falta de caráter de alguns dirigentes — não cita nomes — e uma persona non grata: Paulo Autuori. Lúcio não está sem clube. Tem contrato com o Palmeiras até dezembro e recebe para não entrar em campo. Teve ofertas do exterior, mas está de pés e mãos atados. Mora em São Paulo e, volta e meia, dá um pulinho em Brasília. Na última segunda-feira (6/4), fez a alegria de crianças que desejavam conhecê-lo na loja de um patrocinador em um shopping da cidade. Enquanto tomava um capuccino, ele revelou ao Correio Braziliense as amarguras do retorno a um futebol chamado por ele de “atrasado”.

 

MPL – Você não joga há quatro meses. Até quando tem contrato com o Palmeiras?

Lúcio – Até dezembro de 2015, mas não estou sendo utilizado. Vejo um lado positivo. Viajo muito desde 1998. São 17 anos como profissional. Estou aproveitando os meus filhos, participo mais do dia a dia deles na escola, e estou na expectativa de voltar a jogar.

 
MPL – Por que o Palmeiras o encostou?

Lúcio – Não houve incompetência de ninguém. Foi uma escolha do clube e eu respeito. Tenho contrato. Fui comunicado de que não estaria no grupo do Palmeiras. Eles honram o contrato e eu também. Se for preciso voltar a treinar, retorno normalmente.

 
MPL – São Paulo e Palmeiras jogaram você para escanteio. Está arrependido de ter voltado ao Brasil?

Lúcio – Fico frustrado com a cultura do futebol brasileiro, com a forma como os jogadores são tratados. Não tenho mágoa de ninguém, mas, quem jogou 12 anos no futebol europeu e 10 anos na Seleção Brasileira, com a trajetória que eu tive, sente o choque. A forma de os dirigentes tratarem os jogadores deveria ser honesta, sincera. Isso não rebaixaria ninguém; muito ao contrário, mostraria caráter e hombridade.

 

MPL – Em algum momento você foi desprezado na Europa?

Lúcio – No Bayern de Munique eu vivi um caso em que sentei cara a cara com o Louis van Gaal e ele me disse que eu não fazia parte do projeto. Eu disse: “Tudo bem”. Mas ele conversou comigo olhos nos olhos. Isso falta no Brasil. Caráter e hombridade para respeitar as pessoas.

 
MPL – Quando deixou o São Paulo, o Ney Franco disse que o Rogério Ceni minou você e o Ganso…

Lúcio – Difícil dizer que alguém minou o meu trabalho no São Paulo. Aconteceu o lance de uma expulsão (contra o Atlético-MG, na Libertadores), mas isso é muito pequeno para afastar não só o Lúcio, mas qualquer jogador. Se houve sacanagem da parte de qualquer pessoa, eu não guardo mágoa. O Rogério esteve com a gente na conquista do penta (2002). Sou colega dele, nunca tivemos problema, mas também não posso afirmar que ele é um amigo meu.

 
MPL – Se é fato que o Rogério Ceni minou você, acha correto ele criticar companheiros?

Lúcio – Criticar um companheiro de clube não é uma coisa legal. Como se ele não errasse. Será que ele nunca errou? Nunca falhou? Dá para ver as falhas dele, mas não tenho raiva de ninguém do São Paulo.

 
MPL – Foi humilhante treinar sozinho no São Paulo?

Lúcio – O treinador (Paulo Autuori) e os diretores que estavam lá não tinham necessidade de me colocar para treinar separado. Não querem me utilizar, tudo bem. Quer mandar embora? Manda. Não é porque eu sou o Lúcio, é que não há necessidade disso. Deixa no banco, não convoca, mas tenha um tratamento mais humano e profissional com o jogador.

 

MPL – Você falaria com o Paulo Autuori se topasse com ele na rua?

Lúcio – Quem planta coisas boas colhe coisas boas. Naquele momento (no São Paulo), ele agiu daquela forma comigo. Duas ou três semanas depois, ele foi embora. Não sei onde ele está agora e nem me interessa saber, mas nada acontece por acaso.

 
MPL – Por que Autuori o afastou do elenco?

Lúcio – O futebol brasileiro está muito atrasado. Quem joga tanto tempo na Europa e volta para cá fica assustado. Vou dar um exemplo. Tem dia que você vai ao treino para encher linguiça, ver o tempo passar, não faz muita coisa. No São Paulo aconteceu algo ridículo. Ele (Paulo Autuori) resolveu me afastar porque eu decidi continuar treinando depois que a atividade havia acabado.

 
MPL – O que você fez?

Lúcio – Eu estava tentando aperfeiçoar um pouco o meu passe, o meu chute, a parte técnica… Ele entendeu isso como desrespeito. É ridículo. Eu fazia isso no Bayern de Munique, no Bayer Leverkusen, o preparador físico me ajudava na Inter de Milão, na Juventus. Aí, você chega no Brasil, pega uma bola depois do treinamento e um cara vem e diz que você está desrespeitando o treinador,

 
MPL – Ele disse isso?

Lúcio – Ele me disse, em particular, que eu tinha que pedir para continuar treinando. Eu pedi desculpas e ele não aceitou, dizendo que iria me punir. É passado, mas é ridículo. O próprio Rogério Ceni fica batendo falta depois do treino e faz gols por causa disso. Fica batendo de 30 a 40 faltas.

 
MPL – Qual foi o momento mais triste na volta ao Brasil?

Lúcio – No São Paulo, eu trabalhei separado, sozinho. Só eu e o preparador físico, o massagista. Cheguei a chorar em casa ao lado da minha esposa quando soube que seria assim. Depois do afastamento, eu só disse aos dirigentes: olha, eu vou cumprir a minha parte e pedi para eles cumprirem também o meu contrato. Isso não aconteceu. O São Paulo está me devendo mais de seis meses de salário, mais direito de imagem. Rescindiram meu contrato, pediram um acordo e ainda não me pagaram.

 
MPL – Você acionou o São Paulo na Justiça?

Lúcio – O pessoal da minha assessoria está tentando resolver isso com eles. A pendência continua e espero que seja resolvida. É aí que cai a ficha de que você está no Brasil. Pessoas sem caráter, sem palavra. Tentei falar com os caras quatro, cinco vezes, e continua na mesma.
 
MPL – O afastamento do Palmeiras também doeu?

Lúcio – Eles disseram que não iriam me utilizar mais e o que eu posso fazer? Ainda tenho vínculo com o Palmeiras até dezembro de 2015. Foi uma decisão deles e, depois, minha, já que eu não tive mais vontade de jogar no Palmeiras. Não me sinto mais motivado.

 
MPL – Como eles deram a notícia?

Lúcio – Eu recebi a notícia de que não estava no grupo em 6 de janeiro, na véspera da apresentação. Falta ser homem, essa é a palavra. Se chegassem para mim, em dezembro, e avisassem que não contariam mais comigo, eu não ficaria com raiva. Eu ficaria livre para analisar outras ofertas. Mas aí, o que aconteceu: eu saí de férias, recebi mensagem do próprio Palmeiras que, em 7 de janeiro, pela manhã, teria reapresentação. Daí, na véspera, telefonaram para mim, quando eu estava no aeroporto, dizendo que não iriam mais me utilizar.

 
MPL – Depois disso, você teve ofertas?

Lúcio – Tive propostas da Europa, da Alemanha, mas era tudo muito improvisado. Tenho três filhos estudando no Brasil e hoje não posso deixar o país de uma hora para outra.

São quatro meses parado.

MPL – Dá um sentimento de pré-aposentadoria?

Lúcio – Estou parado há quatro meses, mas o meu parâmetro é o meu porte físico. Em 2013, eu fiquei seis meses parado. Em 2014, fui o melhor zagueiro do Paulistão. Não dá para falar em aposentadoria só porque estou parado há quatro meses ou até um ano, se o vínculo com o Palmeiras continuar.

 
MPL – Pensa em encerrar a carreira no futebol candango?

Lúcio – Quem sabe daqui a um, dois anos, eu jogue aqui para apoiar o futebol candango, mas eu ainda não me vejo nesse nível, não.

 
MPL – Aceitaria propostas de outros clubes para a disputa do Brasileirão?

Lúcio – Tudo depende do que for oferecido, do projeto. Depois desses dois anos no Brasil, é mais difícil. Você pensa: será que vai acontecer tudo aquilo de novo? Mas proposta você não pode dizer sim nem não. O mais importante é o desejo do clube em querer contar comigo.

 
MPL – Você foi capitão da Seleção na Copa de 2010 sob o comando do Dunga. Achou correto ele tirar a braçadeira do Thiago Silva e entregar ao Neymar na volta ao cargo?

Lúcio – O cara que era capitão tem que entender que uma mudança de treinador implica novas escolhas. O Neymar está em uma excelente fase e consegue contagiar o grupo.

MPL – Achou correto o Thiago Silva sentar-se na bola e chorar antes dos pênaltis contra o Chile na Copa do Mundo?

Lúcio – Era um momento de insegurança muito grande. O Brasil poderia sair da Copa, mas era o momento de o capitão pensar positivo, passar confiança ao grupo. Olhar para um lado e ver o capitão chorando, desanimado ou desacreditado contamina o grupo de uma forma negativa. O Thiago Silva é um excelente jogador, atuei com ele, mas em um momento como aquele, o desespero, o pânico e o medo atrapalham. Pode chorar por dentro, mas na frente dos companheiros é preciso ter firmeza, confiança, credibilidade.

 
MPL – Com o Dunga, o Brasil não perde há oito jogos seguidos. Qual é o diferencial dele?

Lúcio – O Dunga é muito profissional, convicto nas decisões dele. Joguei com ele no Inter, em 1999, o vi levantando a taça em 1994 e sempre me inspirei nele. O profissionalismo e a seriedade são os pontos positivos. Ele não gosta de aparecer, dá mais atenção ao grupo, não está nem aí para a imagem dele.

 
MPL – Faltou força mental ao Brasil tanto no segundo tempo da eliminação diante da Holanda, em 2010, quanto no 7 x 1 contra a Alemanha?

Lúcio – Isso não é o fundamental, mas seria importante nos dois casos. Faltou concentração. Na Copa de 2014 estava muito oba-oba, um clima de já ganhou muito forte e isso refletiu na Seleção. Em 2010, sofremos pela primeira vez uma virada e não conseguimos reagir,