Por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga*
Especial para o blog Drible de Corpo
A pandemia provocada pela Covid-19 estabeleceu uma situação sem precedentes no desporto mundial. Inúmeros campeonatos, em várias partes do planeta, estão sendo suspensos ou cancelados. Como resultado desta crise existem várias questões que surgem em torno das competições desportivas e que demandam soluções rápidas e práticas. Já foi noticiado que a Fifa criou um grupo de trabalho com representantes de confederações, clubes, ligas e atletas, no intuito de avaliar questões relacionadas a contratos e transferência de jogadores mediante alteração do regulamento.
No Brasil, muitos clubes (principalmente os menores, que empregam mais de 90% dos atletas) correm o sério risco de fechar suas portas, mesmo após passado o período de adiamento das competições, cujo término ainda é imprevisível. Mais efetivo do que a mera redução salarial em razão da redução de jornada (permitida mediante acordo individual de trabalho desde a vigência da reforma trabalhista), seria a adoção de medidas coletivas, a fim de que fossem evitados questionamentos futuros.
Com efeito, a criação de um sodalício que representasse os clubes (tal como o extinto Clube dos 13), facilitaria a interlocução com as entidades representativas dos atletas que também estão apreensivas. Deve ser ressaltado que, em razão da paralisação dos campeonatos estaduais, muitos contratos de trabalho perderão vigência neste mês de março ou abril. É importante que haja um consenso para uma prorrogação imediata na hipótese de retomada das competições e pelo período que durar a competição, mesmo se for inferior ao mínimo estipulado pela Lei Pelé, que é de 3 meses. Para que tal medida pudesse ser implementada a Fifa deveria propor medidas relacionadas a flexibilização das janelas de transferência a até mesmo disponibilização de apoio financeiro para as entidades regionais de administração do desporto.
A questão da vigência contratual deve ser analisada de forma global, pois mesmo um campeonato estadual brasileiro poderá gerar repercussão internacional. À guisa de exemplo, um atleta pode ter assinado um pré-contrato e estar aguardando sua transferência para o exterior quando completar 18 anos e essa se consumar no período de recomeço da competição brasileira. Desta forma, as entidades de administração do desporto devem estar cientes que pouco adiantará as medidas paliativas locais, quando, na verdade, a questão possui ramificações complexas.
Já no futebol europeu é habitual que os contratos de jogadores profissionais terminem em 30 de junho de cada ano, data que coincide com o término da temporada. Sendo assim, os clubes seriam forçados a negociar uma extensão dos contratos com os jogadores que poderiam se recusar a fazê-lo, o que demonstra a necessidade de uma solução consensual.
Os períodos de inscrição são fixados pela Fifa em seu Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores. Na medida em que já estão estabelecidos, começariam com a temporada ainda inacabada.
De acordo com o regulamento são dois períodos anuais de inscrição, quando os jogadores podem se registrar, sendo estes definidos por cada federação nacional, uma no intervalo entre as duas temporadas (máximo de 12 semanas) e uma mais curta (máximo um mês) no meio de uma temporada. O primeiro período de registro (mercado de verão) deve começar após o final da temporada e, regra geral, antes do início do novo. O segundo período (mercado de inverno) ocorrerá no meio da temporada.
Esta liberdade de definição de datas para os mercados de verão e inverno provoca variações em todo o mundo, sendo que a crise atual pode servir de estímulo para que seja repensada esta situação com uma proposta de unificação de janelas de transferências. No Brasil, a janela mais longa vai de 01 de janeiro a 16 de abril e a janela de inverno (no hemisfério sul), vai de 22 de junho a 21 de julho. Assim, enquanto na Espanha, Alemanha, França e Itália o verão ocorre de 1 de julho a 2 de setembro, na Inglaterra abrange as datas entre 16 de maio e 8 de agosto. Nestes dois últimos exemplos devem ser atendidas as condições de iniciar após o final da temporada, mas com a devido a suspensão das competições é grande a possibilidade de as competições não terminarem no período programado.
Com a alteração do final da temporada, as datas de suas respectivas janelas de transferência também seriam alteradas. No entanto, o regulamento exige que os períodos de inscrição sejam inseridos no TMS (Fifa Transfer Matching System) com pelo menos 12 meses de antecedência.
Cumpre destacar que a paralisação das competições representa um grande revés financeiro para os clubes, que perdem suas principais fontes de renda uma vez que deixam de arrecadar com bilheteria, ingressos para a temporada direitos de transmissão, publicidade e patrocínios o que causará impacto imediato nos salários dos atletas e de todos os empregados dos clubes.
É importante frisar que estamos diante de uma situação sem precedentes e que o abrandamento do rigor legal deve ser feito para que seja adaptada a esta inusitada situação. Todas as partes envolvidas serão afetadas e concessões recíprocas serão necessárias.
*Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga é doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa; Professor à contrato da Universidade La Sapienza de Roma; Diretor Jurídico do Club de Regatas Vasco da Gama; Membro da Academia Nacional de Direito Desportivo, titular da Cadeira n.º 03; Presidente da Comissão de Direito Desportivo do IAB; Vice-Presidente da Comissão Nacional de Direito Desportivo do CFOAB; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados.
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