Rueda Reinaldo Rueda teme chegar à final sem cinco jogadores, todos vendidos. Foto: drigo Buendia/AFP/17.03/2014

Na sabatina de sábado, um bate-papo com o colombiano Reinaldo Rueda, técnico do Atlético Nacional, dono da melhor campanha da Libertadores

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Aos 59 anos, o técnico colombiano Reinaldo Rueda Rivera abriu os olhos do mercado brasileiro de três formas. Em 2010, classificou Honduras para a Copa da África do Sul. Quatro anos depois, trouxe o Equador ao Mundial do Brasil. Neste ano, à frente do Atlético Nacional, terminou a fase de grupos da Libertadores com a melhor campanha geral. Na última quarta-feira, eliminou o Huracán, da Argentina, e está nas quartas de final. Resultado: interessa ao Cruzeiro. Sem técnico, o time celeste tem Reinaldo Rueda na mira, mas ele se estressa ao falar do namoro.

Na entrevista a seguir, Rueda escancara o desejo de trabalhar no Brasil. Pós-graduado na Alemanha e formado na Escola de Treinadores da Uefa, diz que a Libertadores é mais difícil do que a Champions League. Recomenda aos treinadores brasileiros que estudem e até morem na Europa. Fã de Telê Santana, Vicente del Bosque e do Barcelona, deixa claro que sua filosofia é jogar bonito. Nem que, para isso, seja demitido. “Não existe emprego seguro na América do Sul. Isso é utopia”.

 

Por que o Atlético Nacional tem a melhor campanha da Libertadores?
Há vários fatores. Excelentes jogadores, concentração, obediência ao modelo de jogo e à metodologia de treinos. Não há segredo. É o DNA do Atlético Nacional, uma filosofia, um estilo que sempre deu preferência ao futebol coletivo, organizado.

Você adota algum  estilo europeu?
A inspiração é o Barcelona, o time mais coletivo do mundo, na minha opinião, e que marcou época com um futebol atraente.

Pep Guardiola e Luis Enrique são algumas das suas referências?
Não. Vicente del Bosque. Ele conseguiu o que parecia inalcançável. Levou a Espanha ao título da Copa do Mundo com um futebol coletivo, atraente. E uniu socialmente Castilla e Catalunha, uma Espanha dividida, por meio da seleção. Isso é muito histórico, considero transcedental.

No Brasil, o atacante Marlos Moreno virou sonho de consumo. O que pode dizer sobre ele?
É jovem, talentoso, excelente. Tem um futuro muito promissor.

O Atlético Nacional está pronto para repetir o título de 1989?
É prematuro falar isso. Mas é um sonho voltar à decisão, como em 1995, contra o Grêmio.

Juan Carlos Osorio, seu compatriota, trabalhou no Brasil. Edgardo Bauza está no São Paulo. Diego Aguirre comanda o Atlético-MG. É um sonho trabalhar no futebol brasileiro?
Eu asseguro a você que seria uma honra, uma distinção trabalhar no Brasil, no futebol pentacampeão do mundo.

O Cruzeiro está sem técnico. Toparia o desafio?
Não sei nada sobre isso.

Mas você é um dos pretendidos. O clube o procurou?
Ninguém. Não houve contato com ninguém do clube. Não recebi proposta ou contato oficial do Cruzeiro.

Mas o que sabe sobre o Cruzeiro?
O clube tem uma filosofia muito parecida com a minha forma de trabalhar aqui no Atlético Nacional, mas, repito, não há proposta formal.

No último Brasileirão, só o campeão Corinthians não trocou de técnico. Isso o assusta?
Não existe emprego seguro na América do Sul. Qualquer projeto depende dos resultados. A cobrança é alta em qualquer lugar.

 

“Eu asseguro a você que seria uma honra, uma distinção trabalhar no Brasil, no futebol pentacampeão do mundo”

O futebol brasileiro não conquista a Libertadores há dois anos seguidos. Por quê?
Os clubes brasileiros são muito fortes. É um feito surpreendente dois times argentinos não terem permitido que o Brasil tenha sido campeão nos últimos anos. Porém, isso não quer dizer que os brasileiros estejam menos competitivos. São circunstâncias de jogo e equipes que fizeram a diferença nas últimas duas edições. San Lorenzo e River Plate, da Argentina, realizaram ótimos trabalhos com Edgardo Bauza e Marcelo Gallardo.

Qual é o melhor time brasileiro entre os que continuam na Libertadores?
Sem dúvida nenhuma, o São Paulo. Evoluiu. É um time que está mostrando organização, futebol coletivo. Por causa disso, individualidades como as de Calleri e Ganso estão se sobressaindo.

Você fala bastante em futebol coletivo, mas alguns times têm quem desequilibre. Tévez e Robinho podem fazer a diferença para Boca Juniors e Atlético-MG?
O Boca sempre foi uma equipe de muita força, com muito peso; sempre é um firme candidato a conqusitar a Copa Libertadores. O Atlético-MG está fazendo um belo torneio. Asseguro que ter um talento como Robinho ou Tévez amplia a chance.

Se tivesse de evitar um adversário na Libertadores…
Nenhum. Quando estamos em uma competição, devemos estar preparados para enfrentar qualquer um dos 31 adversários.

Qual competição é mais difícil: Libertadores ou Champions League?
A Libertadores é mais difícil. Embora muita gente discorde, é um torneio de altíssimo nível, mais desgastante devido às distâncias, às viagens. Isso é um fator que faz com que tenha um maior grau de dificuldade em comparação com a Champions League.

Barça, Real e Bayern seriam campeões da Libertadores?
Sim, são times muito bem estruturados, com talentos em cada uma de suas linhas e um ótimo trabalho de equipe. Os três clubes que você citou têm potencial para disputar qualquer torneio de elite.

 

“A Libertadores é mais difícil. Embora muita gente discorde, é um torneio de altíssimo nível, mais desgastante devido às distâncias, às viagens. Isso é um fator que faz com que tenha um maior grau de dificuldade em comparação com a Champions League”

 

Você é formado em educação física e fez pós na Escola Alemã de Esportes. O que assimilou lá?
O mais importante que absorvi da escola alemã foi a intensidade, o trabalho em equipe, o espírito coletivo. Isso tem sido um diferencial no futebol da Alemanha.

Você também cursou a Escola de Treinadores da Uefa…
Eu recomendo a todo treinador sul-americano, se tiver a oportunidade, que estude na Europa, viva um pouco na Europa, observe o futebol lá de perto. É um grande complemento para o nosso futebol sul-americano. Uma chance de observar métodos de treinamento, conceitos do que é, tanto a vocação ofensiva, agressiva do futebol europeu, quanto defensiva. Asseguro que é uma experiência marcante na carreira de um treinador, estimulante para aplicar no dia a dia de trabalho na América do Sul.

Você fez dois belos trabalhos nas divisões de base da Colômbia. Chegou à semifinal no Mundial Sub-20. Qual foi seu legado?
O legado mais importante é a qualidade dos jogadores que nós formamos, o trabalho que nós plantamos para o futuro do futebol colombiano e a formação humana dos nossos jogadores.

Em 2003, a sua Colômbia, que tinha Guarín e Mcnelly Torres, foi terceiro no Mundial Sub-20 dos Emirados Árabes Unidos. A Espanha, de Iniesta, o eliminou nas semifinais. O que deu errado?
Sem dúvida, nós demos o azar de cruzar com uma Espanha muito estruturada, que tinha Iniesta, Gabi, Juanfran… Foi uma partida intensa, muito parelha. Faltou eficácia para decifrarmos taticamente aquela partida. Se não fosse isso, nós teríamos chegado à final contra o Brasil (que foi campeão contra a Espanha).

Por que a sua passagem pela seleção principal da Colômbia foi tão rápida?
Por uma mescla de fatores. Alguns problemas internos do futebol colombiano, desentendimentos da associação dos jogadores com o comando do futebol do país, a mudança no comitê executivo e diretivo da federação e o fato de eu não ter classificado a Colômbia para a Copa do Mundo de 2006. Nós também fomos mal na Copa Ouro e na Copa América.

 

“Eu recomendo a todo treinador sul-americano, se tiver a oportunidade, que estude na Europa, viva um pouco na Europa, observe o futebol lá de perto. É um grande complemento para o nosso futebol sul-americano. Uma chance de observar métodos de treinamento, conceitos do que é, tanto a vocação ofensiva, agressiva do futebol europeu, quanto defensiva, para aplicar no dia a dia de trabalho na América do Sul”

 

Em compensação, classificou Honduras para a Copa de 2010 e o Equador para a de 2014. São os maiores feitos da sua carreira?
Classificar duas seleções nacionais diferentes para duas Copas do Mundo consecutivas, indubitavelmente, é um grande feito na carreira de todo treinador. Para mim, tem, sim, um significado um pouco acima do que os bons trabalhos que fiz nas seleções de base da Colômbia ou no Mundial que você mencionou.

Você sofreu acidente dias depois do sorteio para a Copa de 2010?
Sim, estávamos percorrendo a Europa em busca de uma concentração para a pré-temporada da seleção de Honduras e sofremos um acidente na estrada, na fronteira da Suíça com a França. Foi um baita susto, mas, no fim, todos nós ficamos bem.

O que faltou ao Equador comandado por você para ir além da fase de grupos na Copa de 2014?
Não tivemos eficácia ofensiva quando ficamos na frente do gol. Além disso, os nossos melhores atacantes não apresentaram bom nível pelos seus clubes seis meses antes da Copa no Brasil.

Você se formou na Europa. O que explica o título da Alemanha?
Um projeto coerente de continuidade de 2002 a 2014. Eles conseguiram integrar em 2014 três gerações, desde Klose, finalista na derrota por 2 x 0 para o Brasil em 2002, até Mario Götze. Foi um trabalho de muita continuidade. Produto, também, de um investimento no futebol de base. Isso se refletiu na Copa de 2014.

Vê evolução no Brasil após o 7 x 1?
Dunga está tentando. Apesar da dificuldade nas Eliminatórias para a Rússia-2018, eu asseguro que o Brasil vai terminar em uma posição suficiente para ir à Copa mais uma vez. As Eliminatórias da América do Sul são sempre muito difíceis e decididas nas últimas três, duas rodadas. A partir da classificação, é outra história.

O que explica o 7 x 1?
Faltaram ao Brasil futebol e força psicológica. A Alemanha arrasou o Brasil e os jogadores descobriram muito cedo, no pior lugar possível, ou seja, em campo, que não tinham capacidade de competir com a Alemanha.

 

“Eles (Alemanha) conseguiram integrar em 2014 três gerações, desde Klose, finalista na derrota por 2 x 0 para o Brasil em 2002, até Mario Götze. Foi um trabalho de muita continuidade. Produto, também, de um investimento no futebol de base. Isso se refletiu na Copa de 2014”

Qual técnico brasileiro o inspira?
Telê Santana é a maior referência do futebol brasileiro. Aquela Seleção Brasileira da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, é uma das melhores que vi jogar.

A atual geração da Colômbia é a melhor desde Valderrama, Rincón, Asprilla…
A Colômbia mesclou várias gerações. Isso tornou possível à seleção voltar à Copa e chegar até as quartas de final.

A Colômbia não disputava os Jogos Olímpicos desde Barcelona-1992. Vai dar trabalho aqui no Brasil?
A Colômbia tem uma grande seleção Sub-23. Há um excelente trabalho sendo desenvolvido. A expectativa é que a Colômbia brigue por medalha. O professor Carlos Restrepo já deve ter decidido se levará três jogadores acima da idade, um deles, James (Rodriguez), e está em negociação para que os clubes liberem seus jogadores para as Olimpíadas.

 

“Telê Santana é a maior referência do futebol brasileiro. Aquela Seleção Brasileira da Copa do Mundo de 1982, na Espanha, é uma das melhores que vi jogar”

Por que José Pekerman e não um colombiano comanda a principal?
José Pekerman chegou no momento certo. Com sua experiência, capacidade e a sabedoria que adquiriu ao longo dos anos, soube orientar essa mescla de gerações que conseguiu reagir e levar a Colômbia de volta a uma Copa do Mundo em 2014.

Como funciona o trabalho de descoberta de talentos aí na Colômbia?
Está melhorando ano após ano. Há escolas muito ambiciosas, em diferentes partes do país, que estão descobrindo talentos e mostrando a capacidade dos técnicos colombianos.

 

 

*Entrevista publicada na última terça-feira no Correio Braziliense.