Gabriel Antes da data Fifa, Gabriel entrou na seleção europeia das ligas nacionais. Fotos: Lecce/Divulgação Antes da data Fifa, Gabriel entrou na seleção europeia das ligas nacionais.

Entrevista: Gabriel. Um bate-papo com o único goleiro brasileiro titular no Campeonato Italiano

Publicado em Esporte

Taffarel, Dida, Julio Cesar, Alisson… Mineirinho de Unaí, cidade localizada a 166km de Brasília, Gabriel Vasconcelos, 26, é o novo candidato a manter a linhagem de goleiros brasileiros na primeira divisão da Itália — escola respeitada na posição. Único brasileiro titular na Série A, Gabriel encaixou a oportunidade de fazer do Lecce um atalho para voltar ao radar dos poderosos clubes do Velho Continente e, quem sabe, retornar à Seleção Brasileira. Titular nas conquistas do Sul-Americano e do Mundial Sub-20 em 2011; e na medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Londres-2012, ele cresceu no bairro Cachoeira e iniciou a carreira na escolinha do Itapuã Iate Clube. Como Unaí é colada em Brasília, o futebol profissional da cidade mineira é filiado à Federação do DF e tem até representante no Candangão. O camisa 21 do Lecce é praticamente um “brasiliense”. Tem até parentes na capital. Na entrevista a seguir ao blog, Gabriel recorda a infância no interior de Minas, admite estar na melhor fase da carreira, fala sobre o reencontro de amanhã com o Milan — clube que lhe abriu as portas da Europa —, do sucesso do melhor do mundo Alisson, e não foge do tema preconceito. O comandante dele no Lecce, Fabio Liverani, é o único treinador negro na elite do Calcio. 

 

Você nasceu em Unaí, cidade do Entorno do DF. O que recorda do início no bairro Cachoeira e na escolinha do Itapuã?
Sim, sou nascido em Unaí (MG). Iniciei por lá, ali no Itapuã. As recordações são maravilhosas. Possibilidade, às vezes, de ir ao treino de bicicleta, de brincar nas ruas e jogar bola. Ir ao clube, porque o Itapuã era um clube. Eu treinava, depois ia para outro campo continuar brincando, ia para a piscina. Foram momentos maravilhosos.

 

Vinha muito a Brasília?
Eu não ia muito a Brasília quando morava em Unaí. Porém, depois de grande, alguns familiares mudaram-se para lá. Tenho vários parentes que moram aí, e comecei a frequantar mais a cidade depois de adulto.

 

Você é o segundo goleiro brasileiro na história do Lecce depois do Julio Sérgio (2011/2012). O que representa a oportunidade de ser titular do Lecce? Qual é a projeção do clube nesta temporada?
Não tive oportunidade de conversar com o Júlio Sérgio sobre a passagem dele aqui no Lecce, mas, quando cheguei aqui, comentaram comigo sobre ele, que havia passado um goleiro brasileiro por aqui. Essa oportunidade de ser o goleiro titular do Lecce está sendo pra mim uma grande oportunidade. Estou tentando agarrar e aproveitar da melhor maneira possível. São sete anos que estou na Itália e essa é a primeira vez que, efetivamente, estou tendo uma sequência de ser titular na primeira divisão. Tenho mais de 100 jogos na Itália, mas a maioria sempre na segunda divisão. A projeção nessa temporada, de um clube que acabou de subir para a primeira divisão, é a permanência na Serie A. Isso está muito claro.

 

Seu início de temporada é extraordinário. É o melhor momento na carreira?

Meu início de temporada é muito bom. Estou vivendo, sim, o meu melhor momento, porque goleiro quanto mais velho, mais maduro, mais experiente, melhor. Isso com certeza reflete nas minhas performances, nos meus jogos. Então, sim, é o meu melhor momento.

 

Você é comandado por Fabio Liverani, o único treinador negro na primeira divisão do Campeonato Italiano. Antes dele, Clarence Seedorf comandou o Milan quando você ainda estava por lá. É mais um passo para o fim do preconceito? 
Se você não tivesse feito essa pergunta, eu nunca teria reparado que o nosso treinador é negro. No Brasil, isso é tão normal pra gente essa mistura de cores que nem me desperta a atenção. Aqui na Europa, infelizmente, ainda acontecem casos de preconceito, coisas que eu, particularmente, abomino. O fato de vir de uma cultura brasileira, onde somos muito miscigenados, torna uma coisa muito natural olhar as pessoas de forma igual, sem preconceito, evitar diferença de pessoas pela cor, pela raça.

 

“São sete anos que estou na Itália e essa é a primeira vez que, efetivamente, estou tendo uma sequência de ser titular na primeira divisão. Tenho mais de 100 jogos na Itália, mas a maioria sempre na segunda divisão”

 

Até que ponto ídolos como Rogério Ceni e Fábio prejudicaram a ascensão de jovens goleiros no Cruzeiro e no São Paulo?
Tudo tem o tempo, a hora certa. Goleiros como Fábio, Rogério Ceni, além de experientes e ídolos do clube, garantem atuações e performance de alto nível por muito tempo. É justo que eles sejam mantidos. Não acredito que o Fábio prejudicou a minha possibilidade no Cruzeiro. Tinha o Rafael na minha frente e eu era muito novo . O Fábio tinha muitos anos de carreira ainda, tanto que está jogando até hoje. Foi somente um aprendizado e uma honra ter treinado, jogado com o Fábio. Virou um amigo. Continuo torcendo por ele. A gente se fala até hoje. É um exemplo pra mim.

 

Em 2010, você foi convocado pelo Mano para a  Seleção principal. Em 2011, campeão sul-americano e mundial sub-20. Foi bom ir tão jovem para a Europa?
Eu comecei a ir para a Seleção desde muito novo. Fui para a Seleção principal muito novo. O fato de ter sido campeão mundial (sub-20, em 2011) também despertou os clubes europeus e acelerou a minha saída do Cruzeiro. Eu não me arrependo de ter saído tão cedo, mas eu vejo, hoje, que me faltou bagagem, jogar mais. Por ter ido para a Seleção muito cedo eu saltei as categorias de base. Isso, às vezes, não é o melhor para o goleiro.  Tanto que o Gabriel Brazão (da Roma), que é meu amigo, quando veio para a Europa, aconselhei que pedisse para ser emprestado para jogar, acumular jogos. Isso é fundamental.

 

QUEM É ELE
Gabriel Vasconcelos Ferreira
Nascimento: Unaí (MG)
Altura: 1,94m
Clube: Lecce (ITA)
Times anteriores: Cruzeiro, Milan, Carpi, Napoli, Cagliari, Empoli e Perugia.
Seleção: Sub-20, Sub-23 e Principal
Títulos: Mineiro (2011), Série B do Italiano (2014/2015 e 2017/2018), Supercopa da Itália (2016), Sul-Americano Sub-20 (2011) e Mundial Sub-20 (2011)

 

Você foi campeão sul-americano sub-20 naquele time que tinha Neymar e Lucas Mouras; e mundial em 2011 com Oscar, Philippe Coutinho, Danilo, Casemiro… e medalha de prata nos Jogos de Londres-2012. Por que não conseguiu se firmar na Seleção principal?
Não me firmei na Seleção principal, porque eu não era titular no clube onde eu jogava. No Brasil, é impossível você se firmar em uma Seleção sem jogar, atuar no time de origem. Isso não permitiu que eu tivesse uma sequência na Seleção. Não acho que foi por causa daquela derrota para o México na final (dos Jogos Olímpicos de Londres-2012). Simplesmente, eu não jogava no meu clube (Cruzeiro).

 

Você foi titular da Seleção principal em um amistoso contra a Suécia na era Mano Menezes. Qual é a recordação daquele jogo?
A recordação é maravilhosa. Eu lembro que a equipe titular tinha jogadores de nível europeu, de Real Madrid, Barcelona… Jogadores reconhecidos no cenário mundial. Foi uma experiência maravilhosa ter atuado naquele jogo.

 

Em 2010, o Mano inaugurou a convocação de goleiros sub-20 para intercâmbio na Seleção principal. Tite tem adotado isso também. Na sua opinião, isso ajuda ou ilude? O deslumbramento é um perigo para o jovem goleiro quando isso acontece?
A questão do intercâmbio de goleiros na Seleção principal é válida, sim, desde que tenha um objetivo. No ano que vem tem Olimpíada. Às vezes, eles querem observar o goleiro, jogadores. Então, isso pode ser vantajoso mirando o objetivo final.  Pode ser vantajoso.

 

“Ter sido campeão mundial (sub-20, em 2011) acelerou a minha saída do Cruzeiro. Não me arrependo, mas faltou bagagem, jogar mais. Saltei as categorias de base. Isso, às vezes, não é o melhor para o goleiro”


Você vai reencontrar o Milan amanhã pelo Campeonato Italiano. Qual foi a contribuição desse clube para a sua evolução? 

Reencontrar o Milan vai ser muito bom. Reencontrar amigos, pessoas que foram muito importantes ali no tempo em que vivi no Milan. Cheguei muito novo, passei muitos anos ali, então, vai ser muito bom reencontrar todo mundo.


Abiatti foi uma pedra na sua chuteira ou o ajudou?

Foi uma pessoa que me ajudou, de forma alguma foi uma pedra na minha chuteira. Pelo contrário. Sempre colaborou, deu conselhos e palavras positivas.

 

Gabriel foi titular da Seleção Sub-20 nas conquistas do Sul-Americano e Mundial Sub-20 em 2011

 

Você tem muitas milhas acumuladas na Série B do Campeonato Italiano. A experiência no Calcio acabou virando seu trunfo para conquistar a posição no Lecce?
Sim, o fato de ter jogado bastante na Serie B, com certeza, isso contribui para que uma equipe como o Lecce possa apostar num goleiro. Como eu falei, nessa posição, é muito importante ter bagagem, jogar, ter ritmo de jogo. Isso é fundamental.


Muito se fala na escola italiana de goleiros: Zoff, Zenga, Pagliuca e Buffon são alguns expoentes. O que é essa escola italiana de goleiros e que influência tem na evolução dos goleiros brasileiros?

A escola italiana de goleiros é bem famosa. Eles são muito técnicos. Os treinadores de goleiro aqui são muito detalhistas para melhorar cada quesito em que o goleiro pode evoluir. Isso teve um efeito nos goleiros brasileiros que passaram por aqui e hoje a gente vê o resultado disso.

 

“Os treinadores de goleiro aqui são muito detalhistas para melhorar cada quesito em que o goleiro pode evoluir. Isso teve um efeito nos goleiros brasileiros que passaram por aqui e hoje a gente vê o resultado disso”


Alisson é o melhor goleiro do mundo. Concorda com a escolha da Fifa? Qual é a sua avaliação do Ederson?

O Alisson é o melhor goleiro do mundo nesse momento com Ederson, ter Setegen. São goleiro que estão jogando num nivel muito alto, com níveis de atuação muito elevado. O diferencial do Alisson foi a conquista dos títulos (Champions League e Supercopa da Uefa).

 

Por que a demanda por goleiros brasileiros cresceu tanto na Europa?
Desde a vinda do Taffarel, Julio Cesar, Dida, que fizeram história aqui na Europa, eles começaram a abrir os olhos para os goleiros brasileiros. Enxergaram a nossa qualidade. Isso se deve muito à vinda deles para a Itália.

 

Como é a vida em Lecce? O que é imperdível aí? 
A vida aqui em Lecce é muito boa. Estou gostando bastante. As praias aqui são imperdíveis, maravilhosas. Quem tiver oportunidade de visitar Lecce no verão, na primavera, quando o clima está com Sol, vale muito a pena. As praias são lindas.

 

 

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