A saga de Zico publicada nesta segunda no Correio
De terno, gravata e sapato social, Zico andou por cerca de 3km. Em forma, não mostrou nenhum cansaço. Bem-humorado, parou para atender a todos os pedidos de selfie de torcedores do Barcelona, da Juventus, e de jornalistas italianos que o reconheciam do tempo em que ele defendeu a Udinese. Enquanto posava, o Galinho era um olho no padre e outro na missa. Não deixava de mirar a possibilidade de um taxi passar por ali. Humilde, não deu carteirada em nenhum momento para dizer o velho “sabe com quem está falando”. A procissão em busca de transporte invadiu a madrugada. Zico e um amigo gritavam “táxi” a cada carro que passava acelerando. Ninguém parava. Carros passavam buzinando. Alertavam para o perigo de caminhar às margens da via, mas a maratona continuava. Uma viatura da polícia alemã chegou a parar. Alertou para o perigoso trânsito. Ao saber que o problema era táxi, as autoridades limitaram-se a dizer: “Aqui é difícil, mesmo, tente por ali”, apontou um deles, indicando uma via marginal menos movimentada. Era mais de 2h da manhã… Zico obedeceu a polícia. Parado na esquina enquanto um amigo tentava resolver o perrengue por telefone, apoiou o cabide do paletó em um depósito de coleta seletiva de lixo e foi dar uma olhadinha no celular em busca de notícias do jogo entre Flamengo e Chapecoense pelo Campeonato Brasileiro. “A última vez que eu vi estava 1 x 0”, contou. Em um raro momento de distração, tomou um baita susto. Na escuridão, um catador de lixo não notou a presença do Galinho e quase fez gol contra. Quando Zico percebeu que ele recolheria a roupa, avisou em inglês: “No, no, please”. O recolhedor de produtos recicláveis recuou e pediu desculpas.
A paródia, o turco e o alívio
Divertindo-se com a situação, Zico posou até de compositor. Chegou a fazer uma paródia com o hit Decime que se siente, da torcida argentina, arrancando risos. Eram raros, mas taxis passavam pra lá e pra cá. Porém, todos ignoravam berros e gestos. Em meio ao drama, eis que surge um turco em um mercedes preto. Não era táxi. O homem se oferece para resolver o problema por 70 euros, um valor absurdo diante da distância e do passageiro VIP. Depois de muita negociação entre o amigo de Zico e o turco, a corrida foi fechada por 50 euros. Era aquilo ou ficar parado ali até amanhecer. Zico treinou o Fenerbahçe. Levou o time às quartas de final da Liga dos Campeões em 2008. Era isca perfeita para a solução do drama. Mas o turco não o reconheceu. Só enxergou cifras. Nem quis saber quem estava conduzindo. No máximo perguntou de que país eram todos. Ouviu “Brasil”, e continuou acelerando. No banco do carona, Zico chegou a puxar papo sobre o futebol turco. Mas o alienado condutor estava mesmo apressado em deixar os passageiros e colocar a mão na grana. Aliviado por ter chegado ao destino, Zico se despediu ironizando o perrengue. “Depois dizem que no Brasil tem problema de mobilidade”, riu, atravessando a pista quase na hora de o galo cantar – era mais de 3h da manhã – rumo ao hotel. De lá, onde finalmente havia táxi, os demais passageiros continuaram as outras sagas.