cat person
Site da The New Yorker com o conto de Kristen Roupenian publicado. Foto: Reprodução Página na internet do conto Cat Person

Cat person, o conto publicado pela New Yorker do qual todos estão falando e que você precisa ler

Publicado em Relacionamento, Sextão

 

Tem textão novo viralizando. Estranhamente, contudo, não se trata de um desabafo lançado de madrugada em alguma rede social, mas de um conto publicado na renomada The New Yorker. Assim que surgiu no site da revista, alguns dias atrás, Cat person, da escritora Kristen Roupenian (disponível aqui, em inglês), repercutiu instantaneamente, merecendo o topo da lista global de trending topics do Twitter, o que não costuma acontecer com obras de ficção editadas pela publicação norte-americana.

O sucesso inesperado gerou uma série de teorias sobre por que o texto se tornou viral e uma enxurrada de análises a respeito do que ele revela sobre as relações heterossexuais em tempos de aproximação via internet e a sexualidade das mulheres nascidas nos anos 1990. Discute-se também muito se a obra tem qualidade literária ou não, mas uma coisa é certa: de alguma maneira, Roupenian conseguiu se comunicar com a parcela feminina dos millenialls — e com todas as pessoas interessadas em entender estes novos tempos — como poucos autores conseguiram.

Cat person conta como uma estudante universitária de 20 anos, Margot, e um homem de 34, Robert, se conhecem, flertam e, depois de passar semanas trocando mensagens de celular, acabam em um angustiante primeiro e último encontro, que deixa sequelas emocionais inesperadas.

Um primeiro aspecto que chama a atenção na narrativa é como Robert, tão interessante e seguro enquanto está trocando mensagens, se revela uma decepção para Margot quando, finalmente, ela passa algumas horas com ele, primeiro indo ao cinema, depois a um bar e finalmente à casa dele. As interações virtuais abrem ainda mais espaço para idealizações que nos dirigem à frustração (ou até mesmo ao perigo), parece sugerir Roupenian.

Por que Margot não diz não?

O ponto mais intrigante da obra, porém, está no fato de Margot não se sentir no direito de interromper o sexo que ela e Robert estão prestes a fazer. Como ela tomou a iniciativa de convidá-lo a sair do bar e perguntou se poderia ir até sua casa, acha que não pode dizer que mudou de ideia. E não porque tem medo de que ele, contrariado, a force a fazer o que ela não quer, mas porque desistir a fará parecer “mimada e caprichosa, como se ela tivesse pedido algo em um restaurante e, então, quando a comida chegasse, ela mudasse de ideia e retornasse o pedido”.

Sem “permissão” para mudar de ideia, Margot decide ir em frente. Em algum momento, tenta até mesmo sentir algum prazer, mas, por fim, desiste e se deixa manipular “como uma boneca” para concluir, após o orgasmo de Robert, que aquela foi a pior ideia de sua vida. A pergunta que fica é: por que ela se sente obrigada a agir assim? E por que ela se sente, depois, culpada por não querer mais ver Robert?

Dá vontade de conversar sobre Cat person

É por gerar perguntas assim que Cat person tem o poder de gerar todas as discussões e teorias que gerou. É um conto sobre o qual dá vontade de pensar e conversar, e recomendar aos amigos para que depois eles possam pensar e conversar com você.

O conto intriga e incomoda. Ele conta a história de um homem e uma mulher que no início estão, aparentemente, em pé de igualdade. Em alguns momentos, são as fragilidades dela que afloram, em outros, as dele. E, quando a fragilidade de um aparece, o outro se sente mais tranquilo, o que deixa claro que, naquele encontro, há uma disputa de poder, uma espécie de competição sobre quem vale mais que quem, ou uma investigação sobre se um é merecedor do outro. E também o medo de não ser tão valioso quanto o outro.

Tanto Robert quanto Margot, em alguma medida, jogam esse jogo. Mas, no fim, por algum motivo, ela se sente obrigada a abdicar de sua autonomia e liberdade e deixar que Robert a manipule como uma atriz pornô. A igualdade, afinal, se revela uma ilusão. Algo favorece Robert. Algo invisível e muito poderoso, que paralisa Margot em um momento crucial e ainda a faz se sentir culpada. E que dá forças a Robert, após se sentir rejeitado, de reduzi-la a uma “puta”, forma como ele a chama na última mensagem que lhe envia. Algo que faz as relações entre jovens homens e mulheres do século 21 se parecerem com as de qualquer século passado. E, quando vemos esse desfecho, reparamos que, ao longo de toda a noite, para acalmar sua insegurança, Robert tenta, e consegue, em vários momentos diminuir Margot – porque ela é muito nova, porque ela mora em um dormitório etc. E a Margot só resta se sentir mais bonita que ele, porque a beleza e a juventude ainda parece ser a única coisa que se valoriza nas mulheres.

Basicamente, é para nomear e tornar visível esse algo — provando sua existência para que ele possa, então, ser combatido — que as mulheres lutam hoje. Machismo, patriarcado, cultura do estupro, privilégio masculino são alguns dos nomes dados a essa força que impede a igualdade. Cat person gerou todo esse impacto porque mostra os efeitos dessa força não nos casos de abuso e assédio nos ambientes de trabalho ou nos estúdios de Hollywood, mas nas consensuais e cheias de expectativas idas ao cinema.