Para viver um grande amor

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Roberval vê Suzete à saída do cinema. Não tem dúvida. Ali está a mulher que sempre lhe povoou os sonhos. Ela, como ele, com certeza não gosta de boates. Se gostasse, estaria se preparando para a noite. Mas está lá, à sua frente, descansada e serena. Por certo dorme a noite toda.
 
Confiante, puxa conversa:
 
— Gostou do filme?
 
— Adorei, suspira ela. Eu também acredito que na vida só existe um grande e único amor.
 
— Eu acho a mesma coisa, alegra-se ele.
 
No dia seguinte, Suzete recebe um buquê de rosas vermelhas. Junto, um bilhete: “Faz pouco tempo que lhe conheço, pois lhe vi só uma vez. Mas já lhe amo de paixão. Você quer namorar comigo?”
 
Lívida, ela devolve as flores com a resposta: “Eu também o vi só uma vez, mas já o conheço suficientemente. Sei que não o amo e não quero namorar você nunca”.
 
— Onde foi que eu errei?, pergunta-se, atônito.
 
Um amigo ajudou-o a desvendar o mistério. Na pressa própria dos amantes, Roberval havia tropeçado na regência dos verbos. De todos os verbos. Não há coração que resista.
 
Deixar de viver um grande amor por causa de meia dúzia de preposições? Não mesmo. O pernambucano apaixonado foi à luta. Enfrentou o capítulo de regência para descobrir se um verbo é transitivo ou intransitivo. Deu-se conta de que os verbos são volúveis como o coração dos homens. Em cada frase, a regência pode mudar.
 
Roberval escreve mal.
 
Roberval escreve um bilhete de amor.
 
Roberval escreve para Suzete.
 
Roberval escreve um bilhete de amor para Suzete.

 
O mesmo verbo aparece em quatro frases diferentes. Como saber a regência? Existe uma fórmula. Use-a sempre que precisar descobrir se o verbo pede ou não complemento:
1. Construa, com o verbo da frase (no nosso caso, é escrever), a seguinte fórmula: quem escreve escreve alguma coisa a alguém. O alguma coisa é o objeto direto; o para alguém, o indireto.
 
2. Verifique se a oração tem uma representante para o alguma coisa, para o alguém ou para ambos. Na primeira oração – Roberval escreve mal – não aparecem nem o alguma coisa nem o alguém. Por isso, aí, o verbo escrever é intransitivo. Na segunda – Roberval escreve um bilhete de amor – temos o alguma coisa (um bilhete de amor), ligado ao verbo sem preposição. Logo, o verbo é transitivo direto e um bilhete de amor é o objeto direto.
 
A terceira – Roberval escreve para Suzete – apresenta o para alguém (Suzete). Repare que, entre escreve e Suzete, aparece a preposição para, que serve de intermediária entre o verbo e o objeto. Logo, a ligação entre eles é indireta. O verbo, na frase, é transitivo indireto e Suzete, objeto indireto.
 
O verbo da última oração é mais exigente: pede o alguma coisa (bilhetes de amor) e o para alguém (Suzete). Trata-se, pois, de um verbo transitivo direto e indireto.
 
Onde Roberval errou? Com certeza em não saber que os verbos ver, conhecer, amar e namorar são transitivos diretos: quem conhece conhece alguém; quem ama ama alguém; quem namora namora alguém. O pronome pessoal que funciona como objeto direto é o (masculino) e a (feminino). O lhe é objeto indireto. Suzete sabia disso? Preste atenção à resposta dela.
 
Roberval aprendeu a lição. Descobriu que só poderia viver um grande amor com Suzete (ah!) quando soubesse regência verbal. Até hoje, o Dicionário de Verbos e Regimes, de Francisco Fernandes, é seu livro de cabeceira.