O cartão e o sultão

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DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@diariosassociados.com.br

Era uma vez um sultão rico e poderoso. Tão rico e tão poderoso que tinha o mundo aos seus pés. Uma noite, ele dormiu e sonhou. Sonhou que havia perdido os dentes. Todos. A imagem desdentada não lhe saía da cabeça. Chamou, então, o sábio pra interpretar a mensagem. O homem ouviu respeitoso os pormenores do pesadelo. Depois, cenho franzido, disse pesaroso:

— Sultão, que triste sina a sua! O sonho diz que o senhor terá uma velhice pra lá de infeliz. Seus ascendentes e descendentes morrerão antes. O senhor, solitário, não terá um familiar que o acompanhe ao túmulo.

Indignado, o sultão mandou dar 80 chibatadas na pobre criatura. Em seguida, chamou o segundo sábio. Contou-lhe, então, o sonho que não lhe dava paz. Enquanto ouvia, o homem alterava as feições. O rosto se iluminou. Os olhos brilharam. A boca se abriu num largo sorriso. Com voz alvissareira, disse:

— Sultão, que sorte a sua. O sonho diz que o senhor terá uma vida tão longa que poderá ver as obras de seus ascendentes e descendentes engrandecerem o sultanato. Esta terra, sultão, será respeitada em Europa, França e Bahia.

Satisfeito, o sultão mandou presentear o sábio com 80 moedas de ouro. O outro não resistiu. Aproximou-se do colega e perguntou:

— Nós dissemos a mesma coisa. Por que eu fui punido e você presenteado?

— É o jeitinho de dizer, respondeu o felizardo.

A história do sultão lembra a dos cartões de crédito. Os brasileiros entraram na modernidade ao substituírem moeda ou cheque pelo dinheiro de plástico. O cartão, prático e seguro, oferece vantagens pras duas pontas da venda. De um lado, o consumidor tem crédito sem burocracia e proteção de assaltos. De outro, o comerciante garante o pagamento pontual e sem riscos. Por beneficiar uns e outros, cartão vale como cheque ou dinheiro. É pagamento à vista.

Agora, querem mudar as regras do jogo. Quem pagar com dinheiro ou cheque obtém desconto de 10%. Quem recorrer ao cartão arca com preço à vista. No duro, no duro, passa a ser taxado. É a receita do segundo sábio. Em vez de informar que pagamento com cartão sofre acréscimo de 10%, adoça-se a facada. É jeito malandro de dizer.