No reino do vale-tudo

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Era uma vez uma campanha eleitoral. Ela se desenrola num país de faz-de-conta. Na TV, transportes, serviço de saúde, escolas, qualidade do ensino rivalizam com os oferecidos na Suécia ou Dinamarca. Sobram sorrisos. Esbanjam-se promessas. Embalados para presente, os candidatos têm pacto com Deus. Podem tudo.

Mas existe o país real. Nele vive gente. São pessoas que acordam cedo, ralam o dia inteiro e sabem que o salário é mais curto que o mês. Uma delas é William Lima Machado. Ele dava uma voltinha pela cidade. De repente, não mais que de repente, dois cartazes lhe chamaram a atenção. Estavam fincados dentro da casa de moradores.

Num, lia-se “Esta família apóia Marta Suplicy”. Noutro, “Essa família apóia Kassab”. O texto confundiu William. Esta ou essa? Trata-se de uma letra. Mas ela faz a diferença.
 

Olho na pessoa

 
Este e esse dão nó na cabeça. Quando empregar um? Quando é a vez do outro? O pior é que o papel deles é bem definido. Eles são parecidos, mas não iguais. Para entendê-los, lembre-se das pessoas do discurso. Discurso, aí, significa conversa.
 
As pessoas do discurso são as que tomam parte em uma conversa.
Para haver conversa, são necessárias três pessoas. Algumas interessantes, outras nem tanto. Quem são elas? Uma que fala (1ª pessoa), uma que escuta (2ª pessoa) e o assunto, que é a pessoa de que se fala (3ª).

Imagine que Paulo telefone para João e lhe pergunte se viu o programa eleitoral de ontem. No caso, Paulo fala. É a 1ª pessoa. João escuta. É a 2ª. Do que eles falam? Do programa. É a 3ª.

 
Cada macaco no seu galho
 
Versáteis, os pronomes demonstrativos têm três empregos:

1 – indicam situação no espaço

 

este — diz que o objeto está perto da pessoa que fala (eu, nós): esta sala (a sala onde a pessoa que fala ou escreve está); este livro (o livro que temos em mão)

esse — informa que o objeto está perto da pessoa com quem se fala (você, tu): essa sala (a sala onde está a pessoa com quem falamos ou a quem escrevemos)

aquele — afirma que o objeto está longe da pessoa que fala e da pessoa com quem se fala: aquele quadro (o quadro está longe das duas pessoas)
 

2 – indicam situação no tempo

 
este — tempo presente: esta semana (a semana em curso), este mês (mês em curso), este ano (ano em curso)

 
esse / aquele — tempo passado (esse: passado próximo; aquele: passado remoto): Aécio Neves disputou o governo de Minas Gerais em 2002. Nesse (naquele) ano, revelou o talento herdado do avô.

Eis um nó. Como saber se o passado é próximo ou remoto? Depende de cada um. O tempo é psicológico. Uma hora com dor de dente é uma eternidade. Se for à noite, nem se fala. São duas eternidades.
 

3 – indicam situação no texto
 
este — exprime referência posterior (anuncia-se o fato que será referido depois): Lula disse esta frase: “Nossa política não é fazer de conta que podemos crescer”.
Reparou? A frase é anunciada: “disse esta frase”. Depois, expressa: “Nossa política não é fazer de conta que podemos crescer”.
 
Esse — indica referência posterior (o fato é referido antes; depois, retomado):
“Nossa política não é fazer de conta que podemos crescer.” Essa frase foi dita por Lula.
 
 

E daí?
 
Voltemos à vaca fria. Esta família apóia? Essa família apóia? A questão se encaixa no primeiro emprego. O pronome indica situação no espaço. Onde está o cartaz? Está na casa da família. Em outras palavras: está perto da pessoa que fala. É a vez do esta. Xô, essa enganador!