Ciladas da leitura e da cabeça

Publicado em português

A língua é pra lá de flexível. Como a água se adapta ao recipiente em que é jogada, ela se adapta às intenções do falante. Se ele quer fazer humor, ela atua como aliada. Se quer fazer chorar, ela o ajuda a rolar rios de lágrimas. Se quer transmitir uma informação neutra, ela diz presente. Se quer manipular, ops! Ela está prontinha da silva.

Como safar-se? Só há uma saída — a atenção plena. Pormenores aparentemente sem importância ganham relevo. O ponto-chave: identificar se nos baseamos no que está escrito ou no que imaginamos que esteja. Quer ver? Leia o texto. Depois, faça o teste. Classifique as afirmações em três grupos:

V de verdadeira
F de falsa
D de desconhecida

Texto

Um comerciante acaba de acender as luzes de uma loja de calçados quando surge um homem pedindo dinheiro. O proprietário abre a máquina registradora. O conteúdo da máquina registradora é retirado e o homem corre. Um membro da polícia é imediatamente chamado.

Afirmações

1.Um homem apareceu assim que o proprietário acendeu as luzes de sua loja de calçados. ( )
2.O ladrão foi um homem. ( )
3.O homem não pediu dinheiro. ( )
4.O homem que abriu a máquina registradora era o proprietário. ( )
5.O proprietário da loja de calçados retirou o conteúdo da máquina registradora e o homem fugiu. ( )
6.Alguém abriu uma máquina registradora. ( )
7.Embora houvesse dinheiro na máquina registradora, a história não diz a quantidade. ( )
8.O ladrão pediu dinheiro ao proprietário. ( )
9.A história registra uma série de acontecimentos que envolveu três pessoas: o proprietário, um homem que pediu dinheiro, um membro da polícia. ( )
10.Os seguintes acontecimentos da história são verdadeiros: alguém pediu dinheiro, uma máquina registradora foi aberta, o dinheiro foi retirado. ( )

Resposta

Verdadeiras: 4 e 6

Falsa: 3

Desconhecidas: 1, 2, 5, 7, 8, 9, 10

Tira-teima

Verdadeiras: O texto diz que o proprietário abriu a caixa registradora. Diz, também, que o homem fugiu.

Falsa: O homem pediu dinheiro sim, senhores.

Duvidosas:

“Assim que” e “quando” indicam tempo. Mas a dupla exprime urgência. O solitário não. O homem terá surgido assim que se acenderam as luzes? Talvez sim. Talvez não.

O texto não diz que o homem era ladrão. Ele até pode ser. Daí a dúvida.

O texto não afirma que o proprietário retirou o dinheiro. Diz que o dinheiro foi retirado. Por quem?

O texto não diz que havia dinheiro na máquina registradora. Poderia ter. Ou não. Talvez ali houvesse apenas notas promissórias. Quem sabe?

Quem disse que o homem é ladrão? Quem disse que o negociante é o proprietário? Nada impede que sejam. Ou que não sejam. Eta dúvida cruel!

Cadê o negociante? Qual a atuação da polícia?

O texto não diz que o conteúdo da caixa registradora é dinheiro.

Moral da história

Nós inferimos. A partir de um fato conhecido, tentamos descobrir o desconhecido. Deduzimos, fazemos hipóteses. É legítimo. Mas não significa que seja verdadeiro.

Veja:

Maria foi sempre neuroticamente pontual. Mas hoje chegou com 15 minutos de atraso. O que aconteceu? Você pode inferir que ela acordou tarde. Que ela perdeu o ônibus. Que o estacionamento estava lotado. Que ela esqueceu o trabalho em casa e deu meia-volta para buscá-lo. E daí? São hipóteses. Talvez uma esteja certa. Talvez nenhuma. Vamos perguntar a quem tem a resposta?