As duas pontas da vida

Publicado em Geral

Datas comemorativas não faltam. Há o dia das mães, dos pais, dos namorados, das crianças, da secretária, do médico, do jornalista, do advogado…ufa! E dos avós? Hoje é dia deles. A escolha tem a ver com a mitologia cristã. Em 26 de julho, nasceu Sant´Ana, mãe de Maria e vovó de Jesus.

De olho no calendário, o comércio faz promoções. Flores, roupas, sapatos, joias, chocolates — a escolha depende do gosto e do bolso. Restaurantes aumentam o faturamento. Os netos, eternos homenageados, hoje homenageiam. Não precisam dar presentes. A presença deles é brinde pra lá de cobiçado. “Vovó, vovô, cheguei”, anunciam-se eles. As três palavras traduzem a cumplicidade existente entre as duas pontas da vida.   Lauro Müller definiu

“Avô — pai sem exigências. Avó, mãe com açúcar.”  

Sem censura

Rachel de Queiroz homenageou as mães com açúcar na crônica “A arte de ser avó”. Eis um trecho: “A avó não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não programadas. Leva a passear, não ralha nunca. Deixa lambuzar de pirulito. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a confidente das horas de ressentimento, o último recurso dos momentos de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o proibido e o permitido, antes uma maravilhosa subversão da disciplina. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e comer croquetes, tomar café, mexer na louça, fazer trem com as cadeiras na sala, destruir revistas, derramar água no gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes se quiser – e até fingir que está discando o telefone. Riscar a parede com lápis dizendo que foi sem querer – e ser acreditado!”  

Ele, ela, eles

Olho no plural. A mãe da mãe é avó. A mãe do pai também. As duas são avós. O pai da mãe é avô. O pai do pai idem. Os dois são avôs. A avó e o avô? São os avós.  

Quem é quem

Paulo tem 63 anos. Casou-se e descasou-se três vezes. De cada união nasceu um filho. Os garotos cresceram, namoraram e juntaram os trapos. Foram-se. Com o ninho vazio, Paulo caiu em depressão. Mas o sofrimento durou pouco. No bate-papo com amigos à mesa do bar, conheceu Luíza. Um se interessou pelo outro. Resultado: em menos de dois meses, estavam juntos. Um ano depois, Laura nasceu.

Pintou, então, a dúvida. Paulo é pai avô ou avô pai? A questão não é nova. Machado de Assis levantou a lebre em Memórias póstumas de Brás Cubas. Na introdução, disse que não era um autor defunto, mas um defunto autor. Na campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso, perguntava-se se ele era candidato presidente ou presidente candidato.

A resposta está na colocação das palavras. O termo que vem na frente é o substantivo. O que vem depois, o adjetivo. Brás Cubas escreveu o livro depois de morto. É autor defunto. FHC era presidente quando se candidatou à reeleição. Tornou-se presidente candidato. Paulo, nosso personagem, ganhou um filho aos 63 anos. É pai avô. Em bom português: é pai com idade e cara de avô.