Além da verdade de Dilma e Lina

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“A verdade tem dois lados”, disse Pitágoras. Candidaturas também. Disputar a cadeira de presidente da República dá visibilidade. Mas multiplica a cobrança. O pretendente se torna foco de jornais, rádios, tevês, internet. Atos, palavras ou gestos da criatura viram notícia, merecem análise, levam pauladas. Dilma Rousseff serve de exemplo.

A dona e senhora da Casa Civil conquistou a simpatia do chefão. Lula a lançou candidata à faixa presidencial. Ela não deixou por menos. Fez dieta. Alisou as rugas. Abriu o sorriso. E caiu no mundo e nos palanques. Aonde Lula vai, ela vai junto. Mas eis que surge Lina Vieira. A ex-secretária da Receita Federal disse ter tido encontro secreto com a ministra. O assunto? Deixar pra lá as investigações sobre Fernando Sarney.

“Esse encontro que ela se refere nunca existiu”, jura Dilma. “Existiu”, bate pé a outra. “Ops!”, alertaram os eleitores. “Alguma coisa na frase da acusada soa esquisito.” O que é? O que é? Trata-se de um dos calos mais dolorosos da língua — o emprego do pronome relativo preposicionado.

Direito adquirido

Acontece com as palavras o mesmo que com as pessoas. Algumas têm olho grande. Avançam nos bens das outras. Os relativos (que, o qual, cujo, onde) são vítimas de roubo pra lá de impiedoso. Muita gente os priva da preposição que os deve anteceder. O resultado é um só. Perde a língua. Perde o leitor.

Examine as frases:

A garota mora no Rio. Gosto da garota.

O pronome relativo ama a elegância. Detesta, por isso, a repetição de vocábulos. Para evitar a dose dupla, substitui o termo repetido. Na frase em questão, é garota. A trissílaba funciona como objeto indireto (eu gosto de alguém). O objeto indireto pede preposição. No caso, de. Ao recorrer ao troca-troca, o relativo será objeto indireto. E, claro, manterá o de:

A garota de que gosto mora no Rio.

***

Na palestra, os presentes puderam apreciar melhor os slides. Na palestra, o expositor se sentou na mesa.

Termo repetido: na palestra (indica lugar). Ele se sentou na mesa. No troca-troca, a preposição permanecerá firme e forte antes do relativo:

Na palestra em que o expositor se sentou na mesa, os presentes puderam apreciar melhor os slides.

***

E a frase da ministra? Ei-la:

Esse encontro que ela se refere nunca existiu.

Vamos desmembrá-la:

O encontro nunca existiu. Ela se refere ao encontro.

Termo repetido: encontro. Ele funciona como objeto indireto (refere-se a alguém). A preposição original não arreda pé:

Esse encontro a que ela se refere nunca existiu.

Resumo da opereta: quem foi rei nunca perde a majestade. Na reestrutura, a preposição mantém o cetro e a coroa.