A oitava maravilha da língua

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No grupo de terapia, falava-se de números. Entre eles, destacou-se o cabalístico sete. Sete são os dias da semana. Sete são os pecados capitais. Sete são as colinas de Roma. Sete são os portais que a alma atravessa até chegar ao céu. Sete são as vidas do gato. Sete são as maravilhas do mundo.
 
— E o oito?, perguntou Lia Maria.
 
— Ele forma a oitava maravilha do mundo, respondeu a Ruth.
 
As sete a gente conhece. São as pirâmides do Egito, os jardins suspensos da Babilônia, o túmulo de Mausolo, o templo de Diana em Éfeso, o colosso de Rodes, a estátua de Júpiter esculpida por Fídias e o Farol de Alexandria.
 
— E a oitava?, quis saber Mônica.
 
Pedrão tomou a palavra:
 
— Cada um tem a sua oitava maravilha. É algo que se afigura extraordinário, insuperável no gênero. Para mim, é o computador. Não posso imaginar a vida sem ele.
 
— Muito mais maravilhoso, disse Carmela, é a criança se alfabetizar.
 
Sou professora. Parece milagre ver a pestinha, de uma hora pra outra, decifrar a escrita.
 
— Melhor ainda, intrometeu-se Suzana, é limpar o texto dos modismos. Eles irritam que só. Fugir deles não exige nenhum saber excepcional. Basta conhecer as sete maravilhas da língua.
 
— Quais são?
 
Suzana levantou-se. E, com irônico ar professoral, esnobou. Escreveu no quadro os cuidados que tornam a expressão nota mil.
 
1. Conjugação do futuro. Há duas formas de indicar o porvir. Uma é o futuro simples (mandarei). A outra, o composto (vou mandar). Nada do pleonástico irei mandar ou do inexistente vou estar mandando.
 
2. Emprego do subjuntivo. É chique dar a César o que é de César. A certeza fica por conta do indicativo. A incerteza, a dúvida, a subjetividade pedem o subjuntivo: Talvez ele venha. Se a polícia detiver o bandido,a cidade ficará aliviada.Acreditei que chegássemos a tempo. Ah, que precisão!
 
3. Uso do enquanto. A conjunção trissílaba une orações. Em outras palavras: junta verbo com verbo (enquanto eu estudo, você trabalha; você nada enquanto eu jogo bola). Usá-la no lugar de como ou na qualidade de (Lula, enquanto presidente, defende o governo)? É um horror. Induz-se a coitada ao crime de falsidade ideológica. Dá xilindró.
 
4. Vez do onde. O onde é o maior vilão do vestibular. Tira pontos da moçada até dizer chega. A razão é uma só. Usam-no no lugar do que, cujo, o qual. Nada feito. O dissílabo indica lugar físico. Só: Minha terra tem palmeiras / onde canta o sabiá.
 
5. Emprego do verbo haver. No sentido de ocorrer ou existir, o danado é impessoal. Só a 3ªpessoa do singular tem vez: Havia muitos filmes em cartaz.Houve reclamações na votação das reformas.
 
Atenção, muita atenção: corte o houveram do vocabulário. Ele nunca lhe fará falta. A tesourada afasta as tentações.
 
6. Indicação de tempo. Aos sábados? No sábado? O uso do aos informa que o fato se repete regularmente: Faço compra aos sábados (todos os sábados). Faço ginástica às quartas e domingos (todas as quartas e domingos). Vou à missa às quintas (todas as quintas).
 
A preposiçãoem (no sábado, na segunda) diz que o fato ocorrerá uma só vez ou de vez em quando: João Marcelo se batizou no sábado.Fui ao cinema na segunda.Viajo na quarta para Madri.
 
7. Respeito ao acontecer. Acontecer dá idéia de inesperado, desconhecido (o que acontece? Tudo acontece nos feriados). O verbinho não significa realizar-se. Nem ocorrer. O casamento da Marta aconteceu ontem? Nem pensar. Realizou-se ontem. O concerto acontece no Teatro Municipal? Cruz-credo! O concerto será no Teatro Municipal.
 
— Ufa!, sorriu Suzana. E perguntou:
 
— E a oitava?
 
A resposta foi unânime:
 
— Pronome relativo preposicionado. É um luxo dizer o livro de que gosto,o filme a que assisti, o regimento a que obedeço, a cidade em que moro.
 
— Outro dia, completou Estela, o Fantástico anunciou:
 
— A cidade que chove todos os dias, em vez de em que chove todos os dias.
 
— Valha-nos Deus! Já imaginaram a cidade chover? Não sobraria um morador. Fiquei desolada. Desliguei a TV.