A Academia Brasileira de Letras está certa?

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Woney Brito mora em Montes Claros. Bom mineiro, mantém a tradição da terrinha. Adora português. Por isso lê, estuda, vasculha novidades. Ao tomar conhecimento da reforma ortográfica, devorou tudo o que a imprensa publicou. Mas não ficou satisfeito. Dúvidas permaneceram. Foi, então, à fonte. Entrou no site da Academia Brasileira de Letras e se debruçou na nota explicativa divulgada pela casa de Machado de Assis. Viu, então, este texto:

Está claro que, para atender a especiais situações de expressividade estilística com a utilização de recursos ortográficos, se pode recorrer ao emprego do hífen nestes e em todos os outros casos que o uso permitir”.

Ops! A luz vermelha se acendeu. Ele explica: “Até onde sei, não se pode colocar o pronome oblíquo antes do verbo após pausas de pontuação como se vê no texto. O se depois da vírgula se justifica de alguma maneira? Ou não há a tal regra que me foi ensinada e reensinada por anos? Ou o que, anterior à oração intercalada, exerce atração sobre o pronome? Ou isso faz parte das acepções de alguns daqueles acadêmicos modernosos que dizem que tudo é possível? Ajude-me, por favor. Ou será que devo grafar ‘Por favor, me ajude’”?   Resposta

A colocação do pronome átono é um deus nos acuda. A dificuldade só bate à porta dos nascidos neste país tropical. Os que vêm ao mundo na terra de Camões, o emprego é natural. Sabe por quê? As regras obedecem à pronúncia lusa. Pra eles, o pronome átono é átono de verdade, fraquinho que só (me se pronuncia m’; se, s’; lhe, lh’). Pra nós a história muda de enredo. Ele é fortão. Por isso, na língua informal, iniciamos frase com pronome átono numa boa. Lembra-se do poema de Oswald de Andrade?

Dê-me um cigarro / Diz a gramática / do professor e do aluno / E do mulato sabido / Mas o bom negro e o bom branco / Da nação brasileira / Dizem todos os dias / Deixa disso camarada / Me dá um cigarro.  

Jeitinho brasileiro

Viu? A colocação dos pronomes tomou os próprios rumos neste país tropical. Muitos dizem que a liberdade verde-amarela serviu de alerta para os mandachuvas que dividiram o mundo em dois blocos depois da Segunda Guerra. Eles teriam desistido de introduzir o comunismo no Brasil com medo de desmoralizar a novidade. É fato? Talvez. Mas nosso jeito vale ouro.

Duas regras dão conta do recado. Uma: não inicie frase com pronome átono. A outra: ponha o pronome sempre na frente do verbo: Dá-me um cigarro. Dirigiu-lhe a palavra. Obrigou-o a retirar-se. Dize-me com quem andas que te direi quem és. O presidente se retirou antes da sobremesa. A morte não me poderia assustar depois de tudo o que passei. Continuamos a nos exercitar em línguas estrangeiras.  

Entenda melhor

Pra acertar sempre, entenda melhor a primeira regra. Iniciar a frase com pronome átono tem dois significados:

Um está na cara. Quer dizer não começar o período com a criatura fraquinha. Assim: Ofereceu-me carona no avião. Foi-se embora sem se despedir. Dá-me um cigarro.

O outro é malandro. Manda respeitar as partículas de atração. Palavras negativas, conjunções subordinativas, advérbios, pronomes interrogativos, indefinidos, relativos etc. e tal funcionam como ímã. Puxam o pequenino pra frente do verbo: Não me telefone, por favor. Aqui se fala português. O candidato que se apresentou primeiro tirou as melhores notas. Quanto lhe custou o carro novo?

É aí que reside a sua dúvida, Woney. A partícula de atração não precisa estar coladinha ao verbo. Mesmo de longe, ela puxa o pronome. Compare: Disse que me telefonaria. Disse que Paulo me telefonaria. Disse que, mesmo doente, me telefonaria. Disse que, apesar de estar com a agenda cheia, me telefonaria.

O texto da ABL obedece a essa norma. O que, mesmo de longe, mantém a força: Está claro que, para atender a especiais situações de expressividade estilística com a utilização de recursos ortográficos, se pode recorrer ao emprego do hífen nestes e em todos os outros casos que o uso permitir”.

Olho vivo! No caso, a vírgula distancia o pronome, mas não o desampara. O apoio mantém-se firme e forte, mesmo de longe. Mas não é sempre assim. Há casos em que a pausa desampara o pronome. Que pausa? Vírgula ou ponto e vírgula. Compare: Aqui se fala português. Aqui, fala-se português. O PMDB pressionou o presidente? Não; deu-lhe conselhos. Para se retiraar, pediu-me autorização.