Os desafios para os próximos 25 anos de Código de Defesa do Consumidor

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Em 25 anos, a sociedade brasileira mudou. O país amadureceu a democracia, viu a ascensão de uma nova classe de consumo e aprendeu a comprar pela internet. Junto com as mudanças sociais e econômicas vividas, o brasileiro foi incorporando o Código de Defesa do Consumidor (CDC) no seu dia a dia, seja como cliente, como agente público ou como empresa. Mas se é certo que o Brasil avançou em relação à proteção das relações de consumo, também é certo que há muitos desafios a serem transpostos, que vão desde questões que o Código deixou em aberto e não foi resolvido ainda, como é o caso da lista de produtos essenciais e o papel das agências reguladoras, até a modernização nas formas de consumo, com a mudança de práticas comerciais, como compras por Whatsapp e contratação de serviços como o Uber e Netflix.

Especialistas são unânimes em apontar que os serviços regulados, como a aviação civil, os planos de saúde e a telefonia, merecem atenção especial nos próximos anos. Segundo dados da Associação Brasileira de Procons (ProconsBrasil), os serviços regulados correspondem a 60% das demandas recebidas pelos Procons brasileiros. O servidor público Marcos de Melo Maciel, 29 anos, é um exemplo. Ele procurou o auxílio do Procon do Distrito Federal para resolver problemas que teve com um banco, com uma administradora de plano de saúde e com uma empresa de telefonia, três setores regulados.

  

Com o banco, o servidor não conseguia quitar um consignado antecipadamente; com a administradora de plano de saúde, Maciel teve que questionar os constantes aumentos abusivos, e com a operadora de telefonia ele não conseguia cancelar um plano contratado por meio de uma propaganda enganosa.  “O Código ajuda muito, mas o consumidor tem que ir atrás. O brasileiro acha que dá trabalho correr atrás dos seus direitos. Isso não pode. As empresas colocam na planilha a porcentagem de que vale mais a pena responder na Justiça do que melhorar o serviço”, indigna-se Maciel.

Na opinião de Gisela Simona, vice-presidente da Procons Brasil, a tensão entre clientes e empresas cresce à medida que as agências reguladoras criam normas que não conversam com a legislação de proteção ao consumidor. “O conflito vem no nascedouro, quando as agências criam normas que não obedecem ao CDC. Assim, temos uma situação jurídica em que as empresas ficam corretas no ponto de vista do regulador, mas estão descumprindo o Código, que é de ordem pública”, afirma.

Para Bruno Miragem, presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), o aumento de problemas significa deficiência na norma existente. “Falta regulação ou ela é mal feita. A meu ver, a regulação administrativa das agências não é feita de forma a contemplar o CDC, por vezes, a norma afasta os direitos do consumidor”, argumenta. Outro grave problema das agências no ponto de vista de Gisela são os parâmetros de qualidade usados pelos órgãos reguladores. “Estão defasados, da época que não tinha massificação do serviço”, explica.

Na análise de Juliana Pereira, responsável pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça, embora os serviços regulados tenham que avançar no Brasil, é preciso levar em consideração as melhorias. “Eu gostaria de ter a resposta de como melhorar os serviços regulados. Mas ainda não temos. O que percebemos é que temos empresas e empresas e estamos trabalhando em busca da qualidade. Tanto que os índices de resolutividade na área de telecomunicações, por exemplo, subiu de 50% em 2010 para 80% este ano”.

Novas ferramentas

As novas formas de consumo também devem estar na pauta dos próximos 25 anos. Para Ricardo Morishita, diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DNPC) entre 2003 e 2010 e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), Ceub e Ibmec, o consumo está cada vez mais sofisticado e complexo no Brasil, por isso, as instituições de defesa devem acompanhar esses movimentos. “Essas novas tecnologias de consumo, como Uber, WhatsApp e Netflix, mostram que o consumidor está plenamente aberto a novos serviços e produtos. O consumidor tem feito as escolhas dele e são com elas que devemos debater os próximos 25 anos”.

Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores, defende que a sociedade está em transformação e o que o CDC, embora genérico, consegue abranger as novas práticas de consumo. “Não podemos fechar as portas para o que surge. A concorrência é saudável para o consumidor. O futuro está aí, temos que estar acompanhando para que essas empresas não cometam velhos hábitos de desrespeito”.

Avanços que não acontecem

Na opinião de especialistas, os próximos 25 anos de defesa do consumidor devem focar em temas que se avançou pouco ou nada nesse tempo, sem esquecer das novas práticas de consumo que estão surgindo. O objetivo é diminuir conflitos entre empresa e cliente e reduzir a intervenção do Estado – via Procon ou Justiça – nessas tensões. 

A lista de produtos considerados essenciais é um dos tópicos aguardados desde a publicação do CDC, em 1990.  Em 2013, a presidente Dilma Rousseff chegou a prometer que entregaria essa relação de itens, porém, não foi adiante. Esse documento é importante porque deixa claro que tipo de mercadoria pode ser trocada pela loja imediatamente em caso de defeito. Atualmente essa questão fica a cargo do lojista ou da Justiça.

Outro item que precisa avançar é o pós-venda. O cliente ainda tem dificuldade para trocar mercadorias, para falar com a empresa via Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC) e para solucionar problemas. Para Rosana Grinberg, presidente do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor, essa situação fica mais sensível no caso dos serviços públicos, como os de energia elétrica e de abastecimento de água. “As empresas precisam entender que, embora sejam públicas, devem trazer serviço de qualidade porque os consumidores pagam por isso”, defende.

O uso do dinheiro vindo das multas pagas pelas empresas por infrações cometidas também é um desafio. Tanto nos fundos estaduais como no federal, chamado de Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD), os órgãos revertem pouco esse dinheiro para o cidadão. No caso do FDD, nos últimos três anos, só 4% dos R$ 344, 1 milhões foi utilizado em ações em benefício do consumidor. A responsável pela Senacon, Juliana Pereira, explica que o dinheiro vai para o caixa da União e a pasta não tem governança sobre ele. “O que chega para a Senacon é utilizado 100%”, garante.