Faculdades privadas na mira dos Ministérios Públicos

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A denúncia de uma aluna à ouvidoria do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) levou a promotoria abrir uma investigação e a instaurar um inquérito civil contra as instituições de ensino superior do Distrito Federal por cobranças indevidas. De acordo com a investigação, feita em parceria com o Ministério Público Federal no DF (MPF-DF), as faculdades possuem diversos tipos de serviços e taxas que não poderiam ser cobrados. Para tentar acabar com a prática, os órgãos pretendem firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com as instituições de ensino. Para isso, nesta tarde (2/10) será realizada uma audiência pública com as cinco maiores universidades locais.

Foram convidados para a reunião o Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), a Universidade Católica de Brasília (UCB), o Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), a Universidade Euroamericana (UniEuro) e a Universidade Paulista (Unip). “Nossa ideia é assinar o TAC com as universidades para que elas parem com a prática. Se elas não aceitarem, vamos entrar com uma ação na Justiça pedindo não só que elas parem as cobranças indevidas como também devolvam os valores para os alunos nos últimos dez anos”, afirma Paulo Binicheski, promotor do MPDFT. A ideia do Ministério Público é ir chamando aos poucos as outras faculdades privadas do DF para audiências públicas posteriores.

A investigação durou dois anos. A variedade e a criatividade para a cobrança de taxas das faculdades privadas locais chamou a atenção de Paulo e da procuradora da República, Luciana Loureiro Oliveira, que também participa da apuração. Pelos documentos anexados ao inquérito, as taxas servem para os mais diversos serviços – desde a declaração de escolaridade para juntar à documentação de estágio até taxa para compensação de faltas. Algumas entidades de ensino superior cobram também para aproveitamento de estudos, revisão de menção e até atestado para o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Distrito Federal (CREA).

Os valores cobrados podem custar de R$ 5 a R$ 400. “Por exemplo, R$ 10 por um histórico escolar à primeira vista pode parecer barato, mas no fim do curso, uma quantia enorme de taxas foi cobrada”, explica a procuradora Luciana Oliveira. “O que importa não são os valores, mas o fato de que instituição de ensino não cobrar por serviços ordinários, comuns ao dia a dia do aluno, isso deve ser custeado pela mensalidade que o aluno paga. E no caso de serviços extraordinários, os preços devem seguir princípios de modicidade. Não me parece razoável uma faculdade cobrar R$ 300 em uma segunda via de diploma”, complementa Binicheski.

Para os representantes do MPF-DF e MPDFT, as taxas cobradas pelas entidades de ensino superior infringem as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da chamada Lei das Mensalidades (lei nº 9.870/99). Ao cobrar taxas que os alunos nem sabem do que se trata, as faculdades têm uma vantagem excessiva sobre o estudante, o que é vetado pela legislação de defesa. Já a Lei das Mensalidades diz que a instituição só pode cobrar a mais da mensalidade por serviços extraordinários. Mesmo se a cobrança de taxas estiver explícita em contrato, o estudante não pode pagar porque essa cláusula é considerada abusiva.

                  

O estudante Daniel Barros, 24 anos, sabe o que é pagar mensalidade e ainda ser surpreendido com taxas extras. Daniel estuda no Iesb e pagou, neste ano, três taxas para o Iesb. Uma no valor de R$ 9,77, outra, no valor de R$ 50,31 e outra de R$ 10. “Quando eu fui pagar a matrícula, esses três valores estavam no boleto. Fiquei com medo de perder a matrícula e resolvi pagar primeiro e questionar depois”, explica. Daniel conta que procurou a secretaria e, no primeiro atendimento, nenhum funcionário conseguiu informar o que era os valores.

Depois, em um segundo contato, Daniel foi informado que os valores correspondiam à taxa de matrícula feita fora do prazo e manutenção de atraso no curso. “E eu já paguei várias outras taxas, a de comprovante de matrícula para passe de ônibus, para carteirinha de estudante e até para abrir conta universitária”, conta. O Correio entrou em contato com o Iesb mas até a publicação dessa reportagem não recebeu resposta.

Descredenciamento

Segundo a procuradora Luciana Oliveira, além da ótica de proteção do consumidor, o MPF-DF entrou na investigação porque, ao cobrar as taxas dos estudantes, as faculdades estão descumprindo normas do Ministério da Educação (MEC) que proíbem tais cobranças. “Se provadas as cobranças indevidas, podemos pedir uma supervisão extraordinária do MEC, o que pode levar até um descredenciamento da instituição”, explica a procuradora. Luciana contou que a audiência dessa semana é uma tentativa de conciliação. “O TAC é para não acionarmos a Justiça. Até porque já existe jurisprudência a favor dos alunos mostrando que essas cobranças são indevidas”, diz.

Em outras unidades da federação, como Goiás e Rio de Janeiro, os ministérios públicos conseguiram barrar a cobrança em várias universidades particulares. Via nota, o Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos Particulares de Ensino Superior do Distrito Federal informou que orienta os filiados a cumprir a legislação que rege o ensino superior, inclusive, a relativa a cobrança de taxas. A entidade esclareceu também que não tem autonomia nem poder de ingerência sobre as deliberações administrativas das instituições de ensino.

De acordo com o Censo da Educação Superior, o DF possui 57 instituições de ensino superior privada e o total de alunos matriculados nestas instituições é 125.720 na graduação presencial e de 4.664 na graduação a distância.

Números do ensino superior no DF

57

Quantidade de instituições de ensino superior no DF

125.720

Alunos matriculados na graduação presencial no DF

4.664

Alunos matriculados na graduação a distância no DF.


O que diz a lei:

O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor determina que a empresa não pode ter vantagem excessiva sobre o consumidor. Ou seja, a empresa não pode impor regras que privilegiem demais a empresa em relação ao cliente. Já a Lei nº 9.870/99, conhecida como a Lei de Mensalidades, prevê que os custos com serviços educacionais só podem ser divididos em 12 parcelas mensais iguais (no caso de um plano anual) e 6 meses (planos semestrais). Apenas serviços extraordinários podem ser cobrados além da mensalidade.

Taxas e valores cobrados pelas instituições privadas do DF:

Declaração de escolaridade para juntar ao documento de estágio

R$ 14

Entrega de documentos para compensação de faltas

R$ 15

Atestado de matrícula

R$ 5

Certidão de estudos

R$ 15

2ª via do diploma

R$ 200, R$ 250, R$ 300

Revisão de menção

R$ 10

Aproveitamento de disciplina

R$ 100

Guia de transferência

R$ 24

Mudança de curso

R$ 70

Revisão de prova

R$ 15

Aproveitamento de estudos

R$ 400/ matéria

Trancamento

R$ 93

Recontagem de faltas

R$ 9

Apostila de diploma

R$ 40

Taxa de expediente de material de consumo

sem valor fixo

Atestado para o CREA

R$ 15

Ementas por disciplina

R$ 22

Atestado de provas

R$ 5

Compensação de faltas

R$ 9