Entenda como a crise brasileira pode colocar direitos dos consumidores em perigo

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O delicado momento político e econômico que o Brasil vive suscita dúvidas sobre os avanços na defesa do consumidor e possíveis retrocessos. Em tempos de incerteza institucional, a preocupação das principais entidades de defesa do país é sobre as questões em aberto e possíveis brechas para burlar direitos já conquistados. Além disso, os projetos favoráveis aos consumidores podem ficar engavetados. Atualmente são 1.467 projetos de defesa do consumidor na Câmara dos Deputados e 875 em tramitação. Há também as consultas públicas para mudar as resoluções das agências reguladoras.

O Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) afirma que, a curto prazo, o momento é delicado e requer vigilância. “As mudanças propostas não são para beneficiar o consumidor. Em tempos de crise, a tendência é de limitação dos direitos do consumidor, como aconteceu na Europa”, defende Paulo Roque Curi, diretor do Brasilcon. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) também tem um postura crítica sobre a influência da situação política no avanço das relações de consumo. “Temas e assuntos estão sendo colocados na agenda ou pauta de votações – e às vezes delas retirados – como que num balão de ensaio, sem consequências práticas. A agilidade em julgar assuntos pendentes há décadas, para os quais já há jurisprudência favorável aos consumidores nos tribunais superiores seria um deles”, analisa Carlos Thadeu, gerente técnico do Idec.

Para Ricardo Morishita, professor e diretor do Departamento Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça entre 2003 e 2010, em momento de crise, o acompanhamento da sociedade deve ser mais intenso sobre a proteção de direitos. Para ele, esse é o preço da democracia. “Quando há fartura e crescimento é evidente que a defesa do consumidor tende a ser aplicada de forma mais tranquila. Nos momentos de crise e escassez, esses direitos precisam ser observados e respeitados”.

Entre os temas que mais preocupam as associações de defesa é o endividamento dos brasileiros no momento de crise. Já são quase 60 milhões de inadimplentes em todo o país, segundo dados da Serasa Experian. Um dos projetos de lei de modernização do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que está na Câmara dos Deputados prevê um limite para o endividamento de até 30% da renda familiar. “Ainda não temos legislação de proteção ao endividamento. Ela seria importante agora em uma crise que chega a um consumidor que foi incentivado pelo governo e pelos bancos a se endividar”, explica Paulo Roque, do Brasilcon.

As possíveis mudanças em regulamentações da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) também preocupam as associações de defesa. Uma consulta pública que vai até o próximo dia 10 propõe, entre outras medidas, o fim da assistência das companhias aos passageiros em caso de atraso ou cancelamento do voo. A ajuda pode ser suspensa em casos de força maior imprevisível (como mau tempo que leve ao fechamento do aeroporto) ou caso fortuito. Essa questão vem sendo pleiteada pelas companhias de aviação civil, que alegam altos custos para o cumprimento da norma atual.

A Proteste Associação de Consumidores se posicionou contra o regresso de direitos constituídos e entrou com uma reclamação no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, para retirar a consulta pública em andamento. “Nessa crise política e econômica o consumidor está tendo perdas muito grandes. A consulta pública da Anac, por exemplo, a Proteste insurgiu contra porque ela está revogando direitos”, avalia Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste.

Outro tema em andamento é o bloqueio da internet. Para os aparelhos móveis, há uma intensa briga judicial entre as operadoras e órgãos de defesa do consumidor. Por liminar, as companhias estão autorizadas a cortar o serviço após o consumo do pacote de dados. Mas para as associações, há desrespeito do CDC, por mudar o contrato vigente sem aviso prévio, além do descumprimento de regras da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Na mesma onda, as operadoras de serviço de internet banda larga também querem limitar as franquias e cortar o serviço. A Net, Oi e Vivo foram notificadas pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, no último dia 23 para apresentarem justificativas do corte sem comunicado prévio ao consumidor. “Tudo que isso que acontece no Brasil prejudica o consumidor. A Proteste também entrou na Justiça contra a banda larga fixa. Essa situação atenta contra o Marco Civil da Internet”, afirma Maria Inês.

A retirada do símbolo “T” de transgênicos das embalagens também é outro importante assunto em aberto. O projeto de lei está no Senado e preocupa as associações que acreditam no cerceamento do direito à informação previsto no CDC. “O pior é que a resposta que a classe política tem dado às questões do consumidor não parece atender se não a interesses partidários ou de facções, seja para arrancar concessões de um governo federal fragilizado, seja para conquistar aliados no parlamento”, acredita Carlos Thadeu, do Idec.

DIREITOS EM RISCO:

>> Fim da assistência ao passageiro em caso de atraso ou cancelamento de voo:
Uma consulta pública na ANAC propõe o fim do direito material (comunicação, alimentação e acomodação) em caso de atraso de voos. A assistência pode ser suspensa em casos de força maior imprevisível (como mau tempo que leve ao fechamento do aeroporto) ou caso fortuito.

>> Limitação da banda larga fixa e da internet móvel
As operadoras de telefonia bloqueiam o serviço após o uso do pacote. O caso está na Justiça. Na última semana, a Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, pediu explicação às empresas de banda larga que estão cortando o pacote dos usuários nos moldes da internet móvel.

>> Transgênicos:
O projeto que retira a obrigação das empresas de colocar o T de transgênico nas embalagens está no Senado.

>> Endividamento:
O projeto de modernização do Código de Defesa do Consumidor está parado na Câmara dos Deputados. Entre os benefícios está a fixação de 30% do orçamento familiar para endividamento máximo.