Liquidações foram feitas para diminuir o estoque Crédito: Antonio Cunha/CB/D.A. Press. Brasil. Brasília - DF.

Crise econômica leva varejo a repensar estoque

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Uma máxima do varejo é a de que o estoque de mercadorias em uma loja está como o ar para os pulmões – se não tem, o lojista não consegue respirar, se tem demais, pode sufocar. Em tempos de crise econômica, essa frase ganha fôlego. A gestão do estoque torna-se essencial para otimizar gastos e reduzir prejuízos, alertam especialistas e associações representativas. Mercadoria encalhada é sinônimo de dinheiro parado. O mau desempenho do comércio durante todo o ano de 2015 deixou o varejo local com muito produto parado na prateleira. Para reduzir o excesso, uma das saídas encontradas foi antecipar as liquidações. Itens perecíveis e sazonais, como alimentação e vestuário, foram os primeiros. Alguns estabelecimentos anunciaram promoções já no dia 26 de dezembro, antes mesmo do fim das trocas dos presentes de Natal.

De acordo com o Sindicato do Comércio Varejista do Distrito Federal (Sindivarejista), das 30 mil lojas associadas à entidade, pelo menos 15 mil entraram em liquidação para reduzir estoque. Mas nem todos conseguiram. “O espaço de tempo entre uma liquidação e outra vem diminuindo cada dia mais. Os lojistas que colocaram as mercadorias com 60% a 70% de desconto, venderam tudo. Porém, posturas mais conservadoras, com apenas 10% e 20% de decréscimo, ainda estão com mercadoria”, explica Edson de Castro, presidente do Sindivarejista-DF. Ele acrescenta que somente descontos atraentes levaram o consumidor às compras, uma vez que os gastos com material escolar e com impostos tiraram o dinheiro do mercado neste início de ano.

A preocupação com estoque excessivo ressalta o peso da crise econômica no comércio local. Nem mesmo as datas comemorativas como o Natal e a Páscoa animaram os empresários. No Natal de 2015, apenas 29,4% dos varejistas investiram no estoque. Em 2014, esse índice era de 54,3% – uma redução de, aproximadamente, 25 pontos percentuais. Para a Páscoa de 2016, com a baixa expectativa de crescimento nas vendas, apenas 17,9% dos entrevistados declaram que devem ampliar os estoques. Em 2015, o mesmo indicador era 30,2%. A maioria dos lojistas (53,2%) declarou que vão manter o mesmo nível de estoque este ano. Os dados são das pesquisas realizadas pelas Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio).

Na análise de Adelmir Santana, presidente da Fecomércio-DF, o índice de confiança do empresariado com a economia local e nacional está baixo, o que contribui para a classe não ter segurança em manter produtos estocados. “A maioria dos lojistas do DF vem trabalhando com estoque reduzido desde o ano passado. Os empresários não tem coragem de estocar. Eles precisam manter o capital de giro e evitar, ao máximo, pegar dinheiro emprestado com os bancos, uma vez que os juros estão cada dia mais altos”, declara. “Nem as datas comemorativas empolgam”, complementa.

Presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas do DF, Álvaro Silveira Júnior, ressalta que, as indústrias já repassaram os aumentos de impostos e a inflação às mercadorias. Dessa forma, os produtos estão chegando mais caros em um cenário de queda de consumo. Ele explica que, para algumas mercadorias de maior valor agregado, como automóveis, os comerciantes estão preferindo esperar o pedido do consumidor para, só então, fazer a encomenda e evitar estoque parado. “A pressão inflacionária sobre o comércio está muito grande. Essa crise não está favorecendo a baixa de preços”.

Mudanças

Crédito: Minervino Junior/CB/D.A.Press. Brasil. Brasília - DF.
Crédito: Minervino Junior/CB/D.A.Press. Brasil. Brasília – DF.

Diante do cenário de incerteza, muitos empresários estão revendo as suas práticas em relação ao estoque – alguns optaram por fracionar as compras com os fornecedores e, de mensais, elas viraram quinzenais. Outros optaram por comprar menos mercadoria, porém, com mais variedade. E há aqueles que optaram por vender por encomenda. A empresária Cristiane Moura, 46 anos, tem quatro lojas de roupas e faz a fabricação própria. Ela é proprietária da marca Dois Tempos e conta que, para racionalizar o estoque dos estabelecimentos comerciais, precisou mexer na produção. Com estoque mais enxuto, ela teve que diminuir a quantidade de roupas produzidas por molde industrial. Se antes ela produzia 80 peças por molde, agora, são 60. “Estou trabalhando com um estoque menor, porém, mais certeiro. Para a fábrica, diminuir a produção é ruim, mas para a loja é essencial”, comenta.

Nos cálculos de Cristiane, em dezembro, ela conseguiu equiparar as vendas do Natal às do ano anterior, o que considera uma vitória. Entretanto, em janeiro, o êxito não foi o mesmo e a redução foi de 6%, mesmo com as liquidações. Para tentar manter as vendas e atrair as clientes, ela adiantou a coleção de inverno. “Desde o ano passado venho controlando o meu estoque. Em tempos de crise, o empresário precisa ficar mais organizado e criativo”, comenta.

O empresário Francisco Sávio de Oliveira, 75 anos, é proprietário da rede de lojas Só Novidades, que comercializa utilidades, como brinquedos, itens do lar e presentes. Em sua experiência, Francisco afirma que, nos últimos dez anos, não tinha visto uma crise como a que está ocorrendo. Para desovar o estoque parado, o empresário fez liquidação, desconto e promoção. Ele conta que, no Natal de 2015, vendeu 12% menos do que o do ano anterior. “O comerciante está mais agressivo. Eu estou optando por ter mais variedade, reduzir a margem de lucro e conseguir sobreviver”. O empresário comenta que passou a pesquisar mais fornecedores para ter um estoque mais variado e com grande chances de não ficar parado na prateleira. “Antes, o departamento comercial recebia vendedores durante dois, três dias da semana. Agora, recebe todo dia, em busca de preço mais competitivo. Além disso, estamos viajando pelo Brasil para trazer novidades”.

O consultor de estoque do Sebrae- DF, Luciano Carvalho Discacciati, orienta que, em tempos de incerteza, otimizar o estoque é essencial para manter a empresa saudável. Para ele, o empresário precisa encontrar o ponto de equilíbrio para não faltar e não ter excesso de produtos. “As empresas não têm hábito de fazer o inventário do estoque. Muita gente fica no achismo. Estoque é dinheiro, precisa estar bem administrado”, analisa. “Ter informações sobre o estoque vai permitir que o empresário tenha um controle de entrada e saída dos produtos. Vai servir também para ele montar um histórico do que mais sai, do que mais fica estocado, do giro, da margem de venda. Ele vai saber ainda qual fornecedor demora mais e, portanto, o pedido precisa ser feito com antecedência. Ou seja, com as informações, ele poderá direcionar a venda e utilizar melhor o seu estoque, que é o pulmão da empresa”.

Para saber mais:

As vendas do comércio brasiliense fecharam 2015 com uma queda de 18,69% em relação ao ano anterior. Serviços também acumulou um resultado negativo, com diminuição de 15,82%. Esse foi o pior resultado da série histórica medida pela Pesquisa Conjuntural de Micro e Pequenas Empresas do Distrito Federal, realizada pelo Instituto Fecomércio com o apoio do Sebrae. Além da queda das vendas, o endividamento preocupa o comércio. O total de endividados cresceu. Saltou de 602.980, em fevereiro do ano passado, para 747.588, no mesmo período deste ano. A quantidade de inadimplentes também aumentou de 876 famílias para 3.035.