Barragem do Descoberto atinge o menor volume da história Crédito: Arthur Menescal/Esp.CB/D.A. Press. Barragem do Descoberto atinge o menor volume da história

Sob intenso calor, Barragem do Descoberto registra o menor volume da história: 18,94%

Publicado em Consumidor

O baixo nível pode acelerar plano de racionamento


Por Flávia Maia e Priscilla Miranda, estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte

A Barragem do Descoberto atingiu na manhã desta quinta-feira (12/1) o menor índice da história: 18,94%, segundo as medições feitas pela Agência Reguladora de Águas do Distrito Federal (Adasa). Até então, o volume mais baixo foi o de ontem (11/1) – 19,2%. A preocupação com o baixo volume deve-se ao fato de o reservatório abastecer 65% da população da capital do país. A última vez que a barragem chegou a ficar tão baixa foi em 19 de novembro de 2016 (19,3%). Embora tenha a autorização para implantar o plano de racionamento, a Companhia de Saneamento Ambiental (Caesb) informou que ainda não tem prazo para a execução e que deve informar a população com antecedência de três dias.

O calor excessivo e as chuvas abaixo do esperado para o período contribuem de maneira sistemática para a queda do reservatório. Segundo informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), no último dia 9, foi registrada a terceira mais alta temperatura do DF nos primeiros 10 dias de janeiro desde o início da série histórica, em 1969. Os termômetros chegaram a 32,2ºC. A meteorologista Ingrid Peixoto explica que a média climatológica para este período do ano no DF é de 26,9°C, mas, este ano, está em 30,9°C — o que significa um desvio de 4ºC.

“A associação entre o calor e a umidade disponível na atmosfera favorecerá a ocorrência de pancadas de chuvas de forte intensidade e curta duração para os próximos dias (até 19 de janeiro), com maior frequência entre a tarde e noite”, explica Ingrid. A quantidade de chuvas nestes primeiros dias de 2017 foi de 19,9mm — menor que o mesmo período do ano passado, quando o volume de água chegou a 64,4mm. “A chuva pode vir acompanhada de descargas elétricas, rajadas de vento e queda de granizo. É importante que o brasiliense acompanhe a previsão diária e a emissão de sinais de alerta”, complementa.

Com dias tão quentes, a população está demandando mais água e, consequentemente, houve desaceleração da economia do líquido. Segundo dados da Caesb, a retirada de água da barragem estagnou em 4,4 mil litros por segundo desde o fim de 2016, o que significa uma redução de 13,7% no consumo, quando a companhia esperava algo em torno de 15% a 20%. “Com o calor, as pessoas demandam mais água e acabam economizando menos”, explica Maurício Luduvice, presidente da Caesb.

Próximo de casa, a Água Mineral é o lugar perfeito para Fatiana Sabino de Arruda, 37 anos, divertir-se com os filhos neste período de férias. Mas, como nem sempre pode sair com os pequenos, a comerciante busca outras alternativas para aliviar o calor e, ao mesmo tempo, economizar. “As crianças querem tomar banho o tempo todo, então eu coloco um balde ou uma bacia com água para eles brincarem e, com o que sobra, lavo a área externa da casa” conta. Fatiana é dona de um pet shop em Sobradinho e, no trabalho, também fez mudanças. “Trocamos a mangueira por uma ducha para diminuir a pressão e a quantidade de água gasta. Passamos a lavar a loja apenas no fim de semana e utilizando baldes.”

Crédito: Minervino Junior/CB/D.A. Press.
Crédito: Minervino Junior/CB/D.A. Press.

Ontem, a Água Mineral estava lotada de pessoas em busca de refresco para os dias quentes. A artesã Evandirlei Celino de Sousa Oliveira, 55 anos, chegou cedo ao Parque Nacional, mas foi surpreendida. “Chegamos às 6h30 e já tinha gente na nossa frente.” conta. De acordo com a mulher, que fazia um passeio com as duas filhas e os três netos, essa foi a segunda tentativa de visita só esta semana. “Por conta do calor, a gente tentou vir ontem, mas estava lotado”, lamenta.

Medidas

O clima quente e seco também contribui para a evaporação mais significativa do espelho d’água, o que ajuda a entender a queda no volume apresentada nos últimos dias no Descoberto. “Temos ainda o fato de que muitos agricultores que usam a bacia fizeram as suas plantações contando com a chuva. Com a estiagem, a saída foi usar a irrigação para não perder o plantio”, explica Luduvice. A Secretaria de Agricultura, a Adasa e a Caesb estudam um plano de manejo na região de modo a priorizar o abastecimento humano.

A preocupação com a estiagem que assola o DF levou o governador Rodrigo Rollemberg a se reunir ontem com integrantes do Inmet, da Adasa, da Caesb e da Secretaria de Agricultura para tentar entender o comportamento das chuvas na capital do país e os impactos da crise hídrica. As respostas da meteorologia são preocupantes: por dois anos consecutivos (2015 e 2016) o nível de chuva foi abaixo da média esperado. Entre as explicações estão o aquecimento global e a massa de ar quente que se instalou sobre o DF desde 20 de dezembro de 2016.

Mesmo com o cenário de baixa no reservatório, aumento das temperaturas e pouca perspectiva de chuva, a Caesb informou que ainda não tem plano de colocar o racionamento em execução. “Estamos fazendo uma série de ações para evitar o racionamento porque ele mexe com o cotidiano do cidadão e tem toda a questão operacional para a empresa”, esclarece Luduvice.

A Adasa informou que a Caesb está autorizada a implantar o racionamento e tem liberdade para atuar. Para controlar o consumo, as resoluções da Adasa continuam valendo, como a proibição de novas outorgas, restrição de horário para captação de água por meio de caminhões-pipa, redução de vazão outorgada aos usuários de água subterrânea, como lava a jatos e postos de combustíveis do DF.

A Caesb informou que está tomando medidas para amenizar a crise hídrica e que a escolha pelo plano de racionamento será técnica. A empresa já gastou R$ 28 milhões em investimentos, que foram acelerados para conter a falta de água. Além disso, mantém outras políticas para forçar o contingenciamento do uso de água, como a tarifa extra para consumo acima de 10 mil litros por mês e a diminuição da pressão de água em 15 regiões administrativas. A empresa também tem feito obras para reduzir as perdas do sistema e aumentar os pontos de captação de água, de modo a depender menos do Descoberto.

Economia
Crédito: Helio Montferre/Esp.CB/D.A.
Crédito: Helio Montferre/Esp.CB/D.A.

Sentindo na pele o calor e a falta d’água, a população começa a tomar as suas próprias atitudes para ajudar na crise. Na casa da aposentada Mariuza Teixeira de Macedo Ramos, 64, e do marido, Zelino Ramos, 64, a economia é um fator importante. Zelino gosta de inventar engenhocas e, antes mesmo de a crise hídrica chegar ao DF, ele já guardava água da chuva em um reservatório subterrâneo. O morador do Cruzeiro Velho está preparando ainda um sistema de abastecimento que reciclará a água da máquina de lavar e levará o recurso para três pontos da casa: banheiro, tanques e retornando para a própria máquina.

O trabalho facilitará o que Mariuza já estava fazendo: a aposentada usava essa mesma água para limpar vários cômodos. “Toda a água utilizada para lavar roupa, eu reutilizo. Para enxaguar, eu ponho a primeira água, aquele que está com sabão, e, logo depois, descarto. As outras eu junto e uso para lavar a frente e dentro da casa”, explica. A economia hídrica influenciou diretamente no orçamento da família. A conta chegou a diminuir entre 40% e 50%.

Rodízio

Com o racionamento, regiões farão rodízio de abastecimento, ou seja, uma área fica 72 horas com água e 24 horas, sem. Para bloquear a chegada de água, a Caesb precisa fechar as grandes tubulações que levam o líquido às residências. Caminhões-pipa farão o abastecimento de prédios públicos, como escolas e delegacias.

Para saber mais

DF não tem volume morto

Se a crise hídrica se agravar, o Distrito Federal não pode contar com o volume morto dos reservatórios, como ocorreu em São Paulo. Segundo informações da Agência Reguladora de Águas (Adasa), a reserva existente na Barragem do Descoberto não seria suficiente para abastecer a capital do país nem por 30 dias, o que não justificaria os custos da obra para captação. Para retirar o volume morto, é preciso a instalação de bombas coletoras, porque não é possível fazer a retirada por gravidade. Em Cantareira, o sistema custou R$ 120 milhões e a obra demorou dois meses. No DF, não há previsão de custos. Também não há hipótese de utilizar a reserva do Santa Maria porque o reservatório está localizado em área de proteção ambiental.

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