A briga pela rotulagem: indústria e órgãos de defesa do consumidor não se entendem

Publicado em Consumidor

Segundo a Anvisa, estudos vêm sendo realizados  para mudar a forma como os ingredientes dos alimentos são apresentados nas embalagens

Por Patrícia Nadir e Renata Nagashima*

Quando o assunto é modelo de rotulagem nutricional, o embate parece não ter fim. A revisão das normas relacionadas ao tema é uma constante pauta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O crescente aumento do sobrepeso da população, a maior oferta e consumo de alimentos industrializados com elevadas quantidades de sódio, açúcar e gorduras saturadas e trans pelas diversas faixas etárias da população motivam o debate. Por isso também a Anvisa defende modernizações na rotulagem dos alimentos.

Hoje, quase a metade da população adulta do Distrito Federal está com excesso de peso (48,8%), segundo dados do Ministério da Saúde. Entretanto, a nutricionista e pesquisadora em alimentos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Laís Amaral explica que não é possível afirmar que o aumento nos índices de sobrepeso estão relacionados à forma como os ingredientes nutricionais são apresentados aos consumidores. Por outro lado, a especialista destaca que um modelo mais claro poderia facilitar a vida de quem precisa lidar com esses problemas, além de prevenir novos casos. “A rotulagem é um sistema importante para orientar o consumidor a ter uma alimentação mais adequada, independentemente do tipo de dieta que siga.”

Segundo a Anvisa, estudos vêm sendo realizados  para mudar a forma como os ingredientes dos alimentos são apresentados nas embalagens. Em julho de 2014, foi instituída a portaria nº 949, que previa a criação do Grupo de Trabalho (GT) sobre Rotulagem Nutricional. Desde então, houve a apresentação dos principais problemas e limitações do atual modelo regulatório de rotulagem. Atualmente, diversas alternativas são avaliadas pela agência. Entre elas, quatro se destacam: o apresentado pela Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia), o desenvolvido pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o adotado pelo Chile e o da Fundação Ezequiel Dias (Funed).

Para a Abia, a rotulagem ideal é a semafórica, que usa três cores — vermelho, verde e amarelo — para indicar se os níveis de açúcar, sódio e gordura são altos, baixos ou moderados. O painel também terá a indicação de valor energético por porção e sua relação com o valor diário recomendado. A associação defende essa alternativa porque “informa e empodera o consumidor, possibilitando combinar alimentos rotulados com as diferentes cores”.

A proposta do Idec é de que as embalagens tenham triângulos, que funcionam como um selo de advertência. Segundo o instituto, eles deveriam ficar na parte da frente de produtos processados e ultraprocessados, como sopas instantâneas, refrigerantes e biscoitos. A ideia é que seja identificado rapidamente quando há excesso dos nutrientes críticos: açúcar, sódio, gorduras totais e saturadas, além da presença de adoçante e gordura trans em qualquer quantidade.

Para o instituto, o modelo semáforo não é o melhor porque “confunde o consumidor”, uma vez que, em geral, as embalagens já são coloridas com tons quentes. Assim, colocar mais cores dificultaria a percepção.

O modelo chileno, bastante parecido com o defendido pelo Idec, apresenta as informações sobre ingredientes na frente da embalagem, dentro de um octógono preto. Nesse caso, a rotulagem é acompanhada de todos os dados, incluindo aditivos e a quantidade de açúcar. Por fim, a Funed propõe uso de cores na tabela nutricional como forma de alertar o consumidor sobre o nível de diferentes ingredientes da composição do alimento.

Seja qual for o modelo, consumidores defendem que a melhor opção é aquela que torne a leitura dos rótulos mais simples e ajude na hora de fazer escolhas mais saudáveis. A auxiliar de limpeza Adriana Lemos, 38 anos, acredita que, em muitos casos, os produtos são de difícil compreensão e contêm muitos números. “Há comparações com porções que eu, volta e meia, não entendo. Na verdade, eu fico é com preguiça de tentar compreender tantas informações”, admite.

A Anvisa destaca que cada modelo tem seus prós e contras. Apesar de o tema ser debatido há anos, foi inserido na Agenda Regulatória da agência, o que indica que será “tratado como prioridade”.

Indicação de alergênicos 
Outro ponto que gera dor de cabeça para os consumidores quando o tema é rotulagem de  comidas e bebidas é a falta de clareza nas informações dos rótulos para indicação de alergênicos. O cotidiano de pessoas que têm alergia alimentar é marcado por dificuldades na hora de fazer compras e fugir de produtos que possam causar uma reação no organismo. A estudante Renata Caroline Bezerra Almeida, 22 anos, tem alergia a glúten, lactose, ovo, soja e cacau. Com essas restrições, a brasiliense passa por frequentes saias justas entre as prateleiras do supermercado. “O que complica bastante é a falta de simplicidade. Muitas vezes, eles colocam nomes que a gente não sabe identificar o que é. Daí eu não sei se é ou não algo que possa comer”, reclama.
A universitária diz que os únicos compostos destacadas nas embalagens são glúten e lactose. Ficam de fora uma série de informações importantes. “Eu peguei embalagem que dizia só: ‘Contém produtos que podem causar alergias’, mas não especificava. Isso é um absurdo e deixa a gente na dúvida”, aponta.
Renata aposta no modelo do semáforo como o melhor caminho porque, na opinião dela, as cores ajudariam a chamar a atenção das pessoas. “Muitas vezes, apenas com números não sabemos o que é aceitável ou não. Agora, o uso de cores vai facilitar a identificação do que é mais perigoso.”
Há pouco mais de dois anos, a Anvisa regulamentou a obrigatoriedade da indicação de alergênicos em produtos comestíveis. Em julho de 2015, a agência estabeleceu requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias alimentares.
 
Estagiárias sob a supervisão de Margareth Lourenço (Especial para o Correio)
Como funciona
O modelo atual se baseia na tabela nutricional, com alguns nutrientes obrigatórios. As informações são colocadas por porções e, geralmente, são baseadas em uma dieta de 2 mil calorias. Os ingredientes são colocados de forma decrescente — os mais concentrados vêm primeiro. 
O que fazer 
Se o consumidor se sentir lesado, pode fazer uma reclamação ao Procon, ligando para o número 151. Em último caso, a questão pode ser judicializada. Em geral, casos de direito do consumidor são ações de pequeno valor, de competência de juizados especiais, em que não há necessidade de advogados. Mas o cliente pode consultar um advogado ou, se não tiver condições financeiras, utilizar os serviços da defensoria pública ou de núcleo de prática jurídica de alguma faculdade.
*Estagiárias sob a supervisão de Margareth Lourenço, especial para o Correio