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BRANDENBURGER TOR

Publicado em Psicologia, Vídeos

AS DORES DA ALIENAÇÃO PARENTAL

No começo deste ano, recebi um comentário a um post que, na verdade, foi o desabafo de um pai divorciado ressentido por “ter saído como o vilão da história” e estar afastado dos filhos.

Assim, republico a seguir o texto Brandenburger Tor, publicado por mim neste site em 2009, no Blog do Vicente, coluna A Psicologia e o Dinheiro.

Alguns podem estranhar eu começar falando sobre a situação econômica da Alemanha antes e depois da unificação. É que a ideia da coluna era que eu escrevesse sobre Psicologia a partir de um tema de Economia.

No texto, eu menciono o PL 4053, de 2008, felizmente transformado na Lei Ordinária 12318, de 2010.

BRANDENBURGER TOR

Na última segunda-feira, 9 de novembro, o mundo celebrou os 20 anos da queda do Muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria, construído pelos comunistas vencedores da Segunda Guerra Mundial para, segundo eles, funcionar como proteção contra o fascismo. Mas ele foi parte de uma estratégia para impedir a fuga em massa para o lado capitalista da Alemanha, onde se podia consumir livremente. O resultado foi uma Europa separada não por duas ideologias, mas pela disputa de poder, pela falta de entendimento entre irmãos. E, conforme comentado por Miriam Leitão no Bom Dia Brasil, a Alemanha, mesmo reunificada, continua dividida economicamente. O lado ocidental paga, por ano, cerca de 30 bilhões de euros para reerguer o oriental, reduzir o desemprego e renovar o país. As conquistas são incontestáveis, mas o povo ainda amarga uma herança de muita desigualdade.

Além dos dados econômicos, a fala de Miriam trouxe para mim importantes recordações, quando ela disse pertencer a uma geração que achava que a bipolaridade do mundo nunca acabaria. Lembro que, quando criança, eu vivia meio aterrorizada com a possibilidade de, um dia, os presidentes americano e russo se estressarem o bastante para apertar, cada um em seu gabinete, um botão vermelho que nos traria a Terceira Grande Guerra e o consequente fim do mundo. Tenho certeza de que muitos outros meninos e meninas se sentiam assim. E era sobre isso que eu pensava na manhã de ontem, quando o mesmo programa de TV trouxe outra matéria que chamou minha atenção.

A reportagem falava dos americanos Scott Robert Becker e April Antoniu, pai e filha que estavam separados desde que ela, com apenas dois meses de idade, foi levada pela mãe para outro estado, após o divórcio. Como dito na matéria, uma história de amor e perseverança, já que Scott e April nunca desistiram de se reencontrarem e seguiram a vida se procurando. Localizado pela filha, graças a um site por ele criado especialmente para esse fim, Scott agora desfruta não apenas o contato com ela, mas com os netos que nem sabia que existiam. Pela primeira vez, após 30 anos, eles passarão juntos o Natal.

Países divididos por muros, irmãos distanciados pela intolerância, pais e filhos separados pela ignorância. Lembro de um caso, acontecido com um grande amigo meu, em que a ex-mulher dele, aproveitando a Guerra do Golfo e que ele estava vivendo nos EUA, disse ao filho que ele havia morrido em um confronto. Foi um choque para o garoto, já um rapaz, reencontrar, numa chuvosa noite de sexta-feira, na 12ª Delegacia de Polícia do Rio de Janeiro, um pai que ele não via desde criancinha e que, munido de uma Ordem Judicial de, pasmem, Busca e Apreensão, tentava fazê-lo entender que eles não haviam sido separados pela morte, mas por uma mulher raivosa.

Só que nem sempre essas separações ocorrem pelo sumiço ou pela maléfica criatividade de alguém. Elas também acontecem quando um dos pais incita o ódio contra o ex-companheiro, na criança ou no adolescente, provocando transtornos psicológicos que podem ser arrastados pelos envolvidos por uma vida inteira. Essas situações são tão corriqueiras que terminam ganhando ares de naturais. E o que vemos, além do distanciamento físico, são campanhas de desqualificação da conduta do outro e até mesmo falsas denúncias de abuso sexual. Pessoas capazes de qualquer coisa, que não se preocupam com os desdobramentos de seus atos.

Mas há um Projeto de Lei, o PL 4053, de 2008, de autoria do Deputado Regis de Oliveira, atualmente em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, que considera que essas práticas ferem o direito fundamental da criança ao convívio familiar saudável, constituem contra ela abuso moral, e representam um descumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar ou decorrentes de tutela ou guarda. Parece o começo do fim da temível, da desastrosa alienação parental.

Seria maravilhoso se não precisássemos de um instrumento legal para impedir essa imoralidade, essa desumanidade. Mas de nada adianta nos perdermos em idealizações. Temos de dançar a música que está tocando, com a esperança de que uma melhor virá. Porque, para muitos, esse tipo de assédio é pavoroso, mas ainda há quem não consiga enxergar o mal que faz, mesmo que pense estar fazendo o bem a uma criança. Para esses, tão logo aprovada a lei, o Judiciário reservará punição sob diversas formas – advertência, multa, ampliação do regime de visitas em favor do genitor alienado, intervenção psicológica, alteração da guarda, e até mesmo suspensão ou perda do poder familiar.

A essa altura deste texto, sempre haverá quem se questione sobre o assunto. E muitos concluirão que há casos, não raros, em que o melhor para a criança é o distanciamento de um ou dos dois genitores. Infelizmente, há situações em que os pequenos precisam ser protegidos exatamente daqueles que os deveriam proteger. Mas, em geral, o que vemos é gente fora de controle usando os próprios filhos para arrancar do outro bens e dinheiro, ou para atingir em cheios antigos amores. Que a lei que está por vir funcione como o Brandenburger Tor, um dos mais importantes monumentos da Alemanha, hoje símbolo da unificação.

E deixo, aqui, as palavras de Kahlil Gibran, o Poeta do Amor, que, em Os Filhos, nos disse que nossos filhos não são nossos filhos, são os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Que eles vêm por nosso intermédio, mas não de nós. Que embora vivam conosco, não nos pertencem. Que podemos outorgar-lhes nosso amor, mas não nossos pensamentos. Que podemos abrigar seus corpos, mas não suas almas. Que podemos nos esforçar por ser como eles, mas não procurar fazê-los como nós, porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.

Publicado em 15/11/2009, no site do Correio Braziliense, Blog do VicenteNunes,coluna A Psicologia e o Dinheiro

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