Eles não querem os votos de Bolsonaro

Publicado em CB.Poder

O título acima é uma provocação, por óbvio, mas não deixa de estar ancorado na realidade. Os primeiros programas de televisão e rádio do tucano Geraldo Alckmin apresentaram uma estratégia posta em prática pelo pedetista Ciro Gomes na campanha de rua: desistir de buscar votos em meio aos eleitores de Jair Bolsonaro (PSL). Apesar de arriscada, a ação é uma das mais inteligentes se for analisada a partir dos números de intenção de votos divulgados até aqui pelas pesquisas.
Como identificou o Correio na edição da última quinta-feira, Ciro criticou os eleitores de Bolsonaro para ganhar a simpatia dos apoiadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A conta parece, no primeiro momento, complicada, mas é simples de explicar. Como os votos do capitão reformado são, em ampla maioria, consolidados, tentar reverter tais eleitores é quase perda de tempo, uma tarefa complexa, pior, e, jogando na real, pode ser impossível.

Grau

O grau de dificuldade aumenta por dois outros motivos: o pouco tempo até o primeiro turno, em 7 de outubro, e o comportamento do eleitorado brasileiro em se amarrar aos primeiros colocados. A reação, verificada em outras campanhas, deve ser determinante para consolidar ainda mais os votos do capitão reformado. Tais fatores explicam, assim, a estratégia de Ciro e Alckmin em bater em Bolsonaro e, no caso do pedetista, provocar os apoiadores do presidenciável do PSL.
Enquanto no programa de TV Alckmin escancarou, mesmo sem citar nomes, o ataque a Bolsonaro, Ciro partiu para cima do eleitorado do deputado militar. No caso do tucano, a propaganda começava com um disparo de uma bala contra objetos com etiquetas “desemprego”, “fome” e “analfabetismo”. Na final, o projétil avança contra uma menina, mas para antes. “Não é na bala que se resolve”, diz o texto, em referência a Bolsonaro. No rádio, Alckmin é um pouco mais explícito e parte para cima dos homens eleitores do deputado.

Raiva

O mote do tucano é o mesmo, entretanto, no rádio e na TV: “Eu decidi que, neste ano, não vou votar com raiva. Com raiva a gente não pensa”, diz a atriz do programa. No caso de Alckmin, ele mira nos indecisos e nas pessoas que dizem preferir anular o voto — tais índices chegam a 30%, mas tendem a cair ao longo da campanha. O tucano se volta também para os eleitores inclinados para Henrique Meirelles (MDB), João Amoêdo (Novo) e Alvaro Dias e uma pequena parte da turma que diz ir de Lula. Juntos e numa conta rápida, esse bloco com potencial pró-Alckmin pode chegar a 10%. O discurso contra Bolsonaro é, assim, um posicionamento para atrair o eleitor que rejeita o capitão reformado e pode vir em direção a ele.
A estratégia de Ciro, apesar de ter a mesma raiz, busca os votos que hoje são de Lula, mas podem não cair na cesta do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Na mais recente pesquisa, feita pelo Instituto DataFolha, há duas semanas, no cenário sem Lula, Bolsonaro cresce apenas três pontos percentuais, de 19% a 22%; Marina Silva (Rede) sai de 8% e chega a 16%; e Ciro passa de 5% para 10%. O pedetista supera, inclusive, Alckmin (PSDB), que, assim como o capitão reformado, ganha três pontos percentuais, ficando com 9% das intenções de votos.

Divisão

Haddad aparece com apenas 4%. A leitura mais óbvia é de que os votos de Lula se dividem preferencialmente entre Marina e Ciro. E, assim, o pedetista foi para cima do eleitor de Bolsonaro na última quarta-feira, em Brasília: “O cara que vota no Bolsonaro está querendo que o Brasil morra. Está querendo que a minha nação seja destruída. Não quero saber disso para mim, isso é inimigo da pátria.” As táticas de Ciro e Alckmin são, cada uma a sua medida, arriscadas, mas aparentemente são as únicas que eles têm até o momento. Com pouco mais de um mês para as eleições, pode-se até mesmo cravar que o tudo ou nada já começou para o tucano e o pedetista.