Nas entrelinhas: Um mês aziago

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A deposição de Dilma não é uma ruptura institucional, como querem crer ela própria e seus partidários. É um recurso legal da democracia

O impeachment da presidente Dilma Rousseff deve ser aprovado hoje, por um placar entre 58 e 60 votos, segundo as estimativas dos articuladores de sua deposição. A votação deverá começar às 11h, com o encaminhamento da votação pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, e será nominal. Eleitores contra e a favor do impeachment saberão como se comportaram seus representantes O placar pode ser mais dilatado, chegando a 61, se o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), decidir votar. A posse definitiva do vice Michel Temer na Presidência está marcada para as 15h, numa cerimônia simples e rápida, a tempo dele viajar para a China, onde participará da reunião do G20 como chefe de Estado.

A aprovação do impeachment de Dilma Rousseff neste 31 de agosto reforçará a superstição dos políticos de que agosto é um mês aziago. Foi neste mês que o presidente Getúlio Vargas se suicidou em 1954; Jânio Quadros renunciou em 1961; Juscelino Kubitschek morreu em um acidente de carro em 1976; e Eduardo Campos, em um acidente de avião em 2014. Essa superstição, porém, não é um folclore nacional. Agosto é conhecido como o mês do desgosto em muitos lugares, embora seu nome seja uma homenagem ao imperador romano Augusto associada à conquista do Egito. Na Argentina, lavar a cabeça durante o mês de agosto é chamar a morte. As portuguesas não casavam no mês de agosto, época em que as caravelas partiam para a exploração do além-mar. Foram elas que trouxeram essa crença para o Brasil.

Na política, porém, o desgosto está associado ao massacre de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, ordenado pela rainha Catarina de Médici. E foi reforçado ao longo da História. Os russos massacraram os poloneses em Varsóvia, 1831. A França invadiu o Marrocos, em 1833, e o Camboja, no ano seguinte. Em 1910, o Japão invadiu a Coreia; em 1914, começou a I Guerra Mundial; em 1932, Hitler assumiu o poder. Em 1937, os japoneses invadiram Pequim. Em 1939, começa a II Guerra Mundial. Em 6 e 9 de agosto, os Estados Unidos lançaram as bombas de Hiroshima e Nagasaki, respectivamente. Em 1961, foi iniciada a construção do Muro de Berlim. Em 1945, Índia e Paquistão entraram em guerra. Em 1968, o Exército Vermelho invadiu a Tchecoslováquia. Na mesma época, católicos e protestantes começam uma guerra religiosa na Irlanda do Norte.

O dia de hoje não será uma data banal, ainda que a deposição da presidente Dilma Rousseff venha ocorrer num ambiente de relativa tranquilidade. Talvez a sessão do Senado de hoje seja uma das mais serenas de todo o processo de impeachment, que já dura nove meses. Mesmo que os protestos dos petistas e seus aliados se intensifiquem no decorrer do dia. Até agora, o que eles demonstraram foi o isolamento político da presidente da República. Seu depoimento na segunda-feira não mudou um voto no Congresso, mas serviu para dar ânimo e mais agressividade aos seus partidários, que iniciaram o dia perturbando o trânsito de São Paulo: incendiaram pneus em várias vias da cidade, o que é um crime ambiental.

Fracasso
A deposição de Dilma não é uma ruptura institucional, como querem crer ela própria e seus partidários. É um recurso legal da democracia brasileira para afastar do poder uma presidente que revelou absoluta falta de condições de conduzir o país, na política e na economia. Seu discurso de defesa no Senado e suas respostas às indagações dos senadores revelaram de corpo inteiro fé inabalável numa política econômica que fracassou e verdadeira inaptidão para se relacionar com os políticos. Nesse aspecto, frustrou os esforços do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para virar os votos de antigos aliados, principalmente daqueles que foram ministros dos governos petistas.

Nos bastidores do julgamento de Dilma Rousseff, houve, sim, um balcão de negócios, no qual senadores negociaram seus votos em troca de cargos no governo de Michel Temer. Mas esse balcão também fora aberto por Dilma, antes da aprovação do pedido de impeachment pela Câmara e do seu afastamento, pelo Senado. Foi traída pela própria base. Ontem, no dia em que os senadores mais uma vez debateram a cassação do mandato de Dilma, os advogados de acusação, Janaína Paschoal e Miguel Reale Júnior, rebateram os seus argumentos e ressaltaram que a presidente da República fugiu dos questionamentos objetivos quanto à acusação de crime de responsabilidade. E o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, advogado de defesa, brilhantemente, “cumpriu contra o destino o seu dever”, para usar um verso de Fernando Pessoa, ao reiterar a falsa narrativa do golpe de estado.

O jogo foi jogado. O Brasil sem Dilma Rousseff representa o fim de uma experiência frustrada de governo de esquerda, que misturou antiamericanismo acanhado, desenvolvimentismo depravado e populismo sem reformas sociais. Era um projeto de narrativas e palavras de ordem recheadas de ismos.