Nas entrelinhas: Saudades do Barão

Publicado em Justiça, Lava-Jato, Partidos, Política

Curitiba ontem lembrava Itararé às vésperas da famosa “batalha”. Milhares de petistas rumavam para a cidade  com o intuito de protestar contra a Operação Lava-Jato e prestar solidariedade a Lula

Itararé é uma pequena cidade paulista na fronteira com o Paraná, a 237 quilômetros de distância de Curitiba. Entrou para a história na Revolução de 1930, porque seria palco daquela que estava sendo apontada pelos jornais da época como a maior batalha já ocorrida numa guerra civil latino-americana. Em outubro daquele ano, as forças governistas, que apoiavam o presidente Washington Luiz, acamparam na cidade para esperar a chegada das tropas rebeldes, que eram lideradas por Getúlio Vargas. O combate foi evitado pela decisão do coronel Paes de Andrade, que resolveu parlamentar com o general Miguel Costa, comandante revolucionário. Getúlio, que partira de Porto Alegre disposto a lutar até morrer, tomou o poder sem dar um tiro.

A anunciada Batalha de Itararé ficou conhecida como a “batalha que não houve” e entrou para o folclore nacional. O maior humorista daquela época, o gaúcho Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, também conhecido por Apporelly, apropriou-se do nome da cidade para adotar o pseudônimo com ares de nobreza: Barão de Itararé. Ficou famoso como proprietário e redator do jornal A Manha (um trocadilho com o jornal comunista A Manhã, que havia sido proibido de circular), que mais tarde inspirou as turmas do O Pasquim e da Casseta. O humorista chegou a ser preso durante a ditadura Vargas. Algumas das tiradas do barão são conhecidíssimas até hoje, a mais famosa é a frase “Entre sem bater”, que instalou na porta da redação do jornal um dia depois de A Manha ter sido empastelada por ordem do chefe de polícia Filinto Müller.

A coleção de aforismos e trocadilhos do barão é impagável: “A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer”; “Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes”; “Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo”; “Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância”; “Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar”; “Mantenha a cabeça fria, se quiser ideias frescas”; “Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado”; “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”; “O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro”; “O voto deve ser rigorosamente secreto. Só assim, afinal, o eleitor não terá vergonha de votar no seu candidato.”

A Batalha de Itararé faz parte da construção do imaginário do “homem cordial” e da política de conciliação nacional, porque foi mais um exemplo de entendimento entre as elites do país para evitar um banho de sangue nos momentos de radicalização política. Por essa razão, inclusive, pouco se fala da resistência que houve na cidade à chegada de tropas gaúchas dois anos depois, na Revolução de 1932, quando houve encarniçadas batalhas em Quatiguá, Capela da Ribeira e na Fazenda Morungava, com dezenas de mortos. A censura da ditadura Vargas se encarregou de enterrar esses episódios num dos escaninhos do seu Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP).

Batalha de Curitiba
É óbvio que Curitiba ontem lembrava Itararé às vésperas da famosa “batalha”. Milhares de militantes petistas rumavam para a cidade com o intuito de protestar contra a Operação Lava-Jato e prestar solidariedade ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cujo interrogatório pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, está marcado para amanhã. No fim de semana, durante o congresso regional do PT em São Paulo, ao lado do ex-presidente uruguaio Pepe Mujica, ícone de austeridade e honestidade da esquerda latino-americana, Lula havia tripudiado do processo ao qual responde, acusado de supostamente ser dono de um triplex em Guarujá que teria sido adquirido e reformado com dinheiro de propina desviado da Petrobras. Ao discursar, para delírio da plateia, desafiou a força-tarefa da Lava-Jato e o juiz Moro a provar sua culpa. Num arroubo de oratória, digamos assim, ameaçou mandar prendê-los, futuramente, ou seja, caso seja eleito presidente da República novamente.

Mas ontem, para surpresa geral, a defesa de Lula recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, com um habeas corpus que pede liminarmente a suspensão do processo sobre o triplex. A defesa alega que “é materialmente impossível” analisar a documentação do processo até amanhã. Pede também “a concessão da ordem para que seja concedido prazo razoável para a análise dos documentos, além da apresentação da íntegra da relação antes requerida e deferida pelo Juízo, com a eventual renovação dos atos processuais subsequentes que tenham sido prejudicados pela decisão ilegal.”

O Ministério Público Federal (MPF) acusa Lula de receber um tríplex da construtora OAS como pagamento de propina. Quando ainda era parte do Bancoop, a família Lula possuía uma cota de um apartamento no edifício que seria construído. No entanto, a defesa alega que a ex-primeira-dama Marisa Letícia decidiu suspender o negócio quando houve a transferência de responsabilidade para a OAS, recebendo os valores já pagos para o Bancoop.