Nas entrelinhas: Presidente sem estado-maior

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Um velho princípio militar diz que a tropa de assalto não serve para manter a ocupação. É mais ou menos essa a situação

O presidente Michel Temer foi protagonista de sua chegada ao poder, mas não é dono das circunstâncias em que governa. Elas foram favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas continuam sendo desfavoráveis ao ato de governar. Temer é prisioneiro das circunstâncias que o fizeram chegar ao Palácio do Planalto, assim como seus parceiros políticos que apearam Dilma e o PT do poder.

Temer herdou a impopularidade do governo do qual já fazia parte, mas não consegue revertê-la por três razões: primeiro, enfrenta uma oposição implacável; segundo, os problemas têm envergadura maior do que o tempo de que dispõe para resolvê-los; terceiro, não tem um estado-maior capaz de enfrentar essas duas questões e otimizar as possibilidades reais de melhorar a vida das pessoas.

Essa é uma situação recorrente nos governos da América Latina, muito bem retratada no livro O líder sem estado-maior (Fundap, São Paulo, 2000), de autoria do ex-ministro do Planejamento do governo Allende Carlos Matus — escrito na famosa Isla Negra, cantada em versos por Pablo Neruda, no Chile, em agosto de 1996. É uma reflexão sobre os atos e responsabilidades dos governantes, nos quais a racionalidade deve levar em conta as emoções sociais ao pensar, planejar e agir estrategicamente e avaliar as consequências antes de decidir. No pensamento de Matus, são muitas as remissões autocríticas à crise política e de governo que resultou no golpe de Pinochet e na morte de Allende, mas não somente: o economista critica o modus operandi dos palácios de governo e gabinetes presidenciais latino-americanos em geral.

É antológica a parábola da “jaula de cristal”: o líder isolado, prisioneiro da corte “que controla os acessos à sua importante personalidade”. O presidente sem “vida privada, sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário, não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo”. Temer é um líder sem estado-maior. Um velho princípio militar diz que a tropa de assalto não serve para manter a ocupação. É mais ou menos essa a situação. Não, necessariamente, por uma questão de habilidade política ou experiência administrativa.

Seu estado-maior não era nenhuma Brastemp, mas tinha capacidade ofensiva e força política no Congresso. Entretanto, foi implodido pela Operação Lava-Jato. Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), Romero Jucá (Planejamento) e, agora, Eliseu Padilha (Casa Civil), licenciado, deixaram o governo. Restou Moreira Franco (ex-Parceria de Investimento), que foi blindado ao assumir a Secretaria-Geral da Presidência. Não caiu com o barulho da bala, mas isso não significa que tenha o corpo fechado. Ninguém tem no Palácio do Planalto, nem mesmo o presidente peemedebista, enquanto não for absolvido no processo impetrado pelo PSDB que pede a cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Campanha

Quanta ironia! É o PSDB que pode reforçar o estado-maior de Temer, melhorando as condições de governança de sua administração, mas a ação está chegando perto do julgamento e os depoimentos dos delatores da Operação Lava-Jato, principalmente o de Marcelo Odebrecht, podem fragilizar ainda mais a situação do governo.A estratégia de Temer é mudar a agenda do governo da crise ética para a retomada do crescimento. E descentralizar as tarefas políticas, delegando a ministros de fora da cozinha e parlamentares de sua confiança a missão de aprovar as reformas da Previdência e trabalhista no Congresso. Ambas são consideradas a missão histórica do seu governo de transição.

Mas a que preço? Essa é a grande interrogação. O teste de força entre a base parlamentar e a oposição das corporações será decisivo para o futuro do governo e da economia. Enquanto o país vive esse impasse, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva põe sua campanha na rua, com as palavras de ordem “Fora, Temer! ” e “Diretas, já! ” (o que é inconstitucional) e culpa o governo de transição pela crise econômica, que, na verdade, foi causada pela política equivocada de seu próprio governo e do de Dilma. Lula se vitimiza na tentativa de escapar da Operação Lava-Jato, que pode cassar seus direitos políticos e tirá-lo da disputa presidencial. Pretende, nesse caso, ser o grande eleitor de 2018, mesmo que esteja eventualmente na cadeia.