Nas entrelinhas: O Supremo na berlinda

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As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte, que questionam o inquérito aberto “ex ofício” por Toffoli” 

O recuo do ministro Alexandre de Moraes em relação à censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé, pressionado pela mídia, pelas redes sociais e pelos próprios pares, não foi bem uma retirada do presidente do Supremo, Dias Toffoli, em relação ao suposto vazamento de informações sigilosas pela força-tarefa da Operação Lava-Jato, que continua sob investigação. Por essa razão, ambos permanecem pressionados pelos pares que divergem da decisão “ex ofício” de Toffoli, que encarregou Moraes de investigar a origem dos ataques e ameaças feitas a ele próprio nas redes sociais e dos vazamentos de informações sigilosas da delação premiada da Odebrecht, que permanecem em segredo de Justiça, em razão do acordo feito com o Ministério Público Federal e o próprio Supremo.

Toffoli, Moraes e o ministro Gilmar Mendes, que desta vez esteve ao largo da crise, são alvos de vários pedidos de impeachment e de CPI para investigar o Judiciário, apelidada de Lava-Toga, no Senado. O nível de solidariedade em relação aos três por parte dos demais ministros não é robusto o suficiente para endossar o contra-ataque arquitetado por Toffoli. A unidade do Supremo só existe em torno de posições de princípio sobre as prerrogativas da magistratura. A Corte está profundamente dividida em relação a alguns temas que estão no centro da disputa com a força-tarefa da Operação Lava-Jato. O melhor exemplo é a jurisprudência sobre a execução da pena após condenação em segunda instância, que já foi referendada três vezes nos últimos anos, mas pode ser revista, em razão da alteração da composição do Supremo, com a chegada de novos ministros e a mudança de posição de Gilmar Mendes, que era a favor e agora é contra.

Logo após o recuo de Moraes, Toffoli suspendeu liminar do ministro Luiz Fux que havia proibido o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de ser entrevistado pelo jornal Folha de São Paulo. A decisão é coerente com a de Moraes, mas sinaliza na direção de que o presidente do Supremo pretende pôr em discussão a revisão da jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segundo instância e, finalmente, levar ao plenário o pedido de habeas corpus da defesa do petista, cujo julgamento vem sendo adiado. Pelo andar da carruagem, o relaxamento da prisão de Lula não é uma hipótese a ser desconsiderada.

O contexto não é o mesmo do episódio do habeas corpus concedido pelo desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, em julho do ano passado. Lula cumpre pena de 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, numa sala da Superintendência der Polícia Federal do Paraná, em Curitiba (PR). Foi condenado pelo então juiz federal Sérgio Moro e pelo Tribunal Regional Federal da 4a. Região (TRF-4), com sede em Porto Alegre, no processo do triplex de Guarujá, no âmbito da Operação Lava-Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O despacho de Fraveto, suspenso pelo TRF-4, determinava a suspensão da execução provisória da pena e a liberdade de Lula, em pleno curso das eleições, o que provocou o maior reboliço em plena campanha eleitoral.

À época, o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, se manifestou publicamente contra a libertação de Lula. Escreveu uma mensagem de “repúdio à impunidade” e que o Exército brasileiro “se mantém atento às suas missões institucionais”. A mensagem, lida no final do Jornal Nacional (TV Globo), soou como uma ameaça de ação militar em caso de soltura do presidente. Mais tarde, em entrevista ao jornalista Igor Gielow, da Folha de São Paulo, comentou: “Eu reconheço que houve um episódio em que nós estivemos realmente no limite, que foi aquele tuíte da véspera da votação no Supremo da questão do Lula. Ali, nós conscientemente trabalhamos sabendo que estávamos no limite. Mas sentimos que a coisa poderia fugir ao nosso controle se eu não me expressasse. Porque outras pessoas, militares da reserva e civis identificados conosco, estavam se pronunciando de maneira mais enfática”.

Críticas

A decisão de Moraes ajudou a diminuir o ambiente de desconforto interno entre os ministros da Corte, mas dificilmente o assunto não será decidido em plenário. As críticas à investigação sobre os vazamentos da Operação Lava-Jato continuam, principalmente de ex-integrantes da Corte: “Não se pode obrigar o Ministério Público a formular, formalizar uma denúncia perante o Judiciário. Portanto, a última palavra — embora o Ministério Público não decida; a decisão é do Judiciário — mas essa não propositura da ação cabe ao Ministério Público. E não há o que fazer: é arquivar o processo”, declarou o ex-presidente do STF Ayres Britto.

Para ele, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não pode ser obrigada a promover a ação penal se assim concluir o inquérito, entre aspas, no Supremo Tribunal Federal. Aí o que vai fazer o Supremo? Se acatar a manifestação final do Ministério Público”.

O ministro Luís Barroso, que estava nos Estados Unidos, qualificou o episódio como um “amadurecimento democrático”. Segundo ele, “o que se extrai é a existência de uma sociedade mais consciente e mobilizada, que se manifesta livremente, não aceita o inaceitável e obriga as instituições a se repensarem e se tornarem mais responsivas”. Barroso, que faz parte do grupo de ministros que defende a execução da pena após condenação em segunda instância, foi mais cauteloso do que seu colega Marco Aurélio Mello, o primeiro a criticar as decisões de Toffoli e Moraes. O Supremo continua na berlinda.