Nas entrelinhas: O divisor de águas

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É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente

Há uma corrida contra o tempo na política brasileira entre aqueles que fazem parte do atual sistema de poder, cujo vértice é ocupado pelo presidente Michel Temer; e os que pretendem constituir uma outra alternativa em 2018. No primeiro caso, a força principal é o PMDB, núcleo de uma grande aliança que sofre forte desgaste por causa da Operação Lava-Jato. No segundo, podemos identificar Jair Bolsonaro (PRB-RJ), à direita; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), à esquerda; e um enorme espaço vazio entre esses dois, aberto pela crise do PSDB, na qual se digladiam o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito da capital, João Doria. Os senadores Aécio Neves (MG) e José Serra (SP) já estão fora da disputa pela candidatura presidencial tucana por causa da Lava-Jato.

Nessa corrida, a grande aposta do governo Temer é o desempenho da economia, que emite sinais de recuperação da produção industrial, registra inflação abaixo da meta e uma significativa redução da taxa de juros. A cada alta nas ações da bolsa e novos indicadores positivos, governistas batem o bumbo. E alardeiam que a recessão ficou para trás, o que é verdade, e a retomada vigorosa do crescimento econômico já está garantida, o que é um certo exagero, porque ela ainda é muito baixa: projeta-se 0,6% do PIB neste ano, segundo o último boletim Focus, do Banco Central. Nessa perspectiva, fala-se em uma taxa de crescimento de 3% no ano da eleição, o que daria ao presidente Temer cacife para concorrer à reeleição ou fazer o seu sucessor no pleito de 2018.

Essa narrativa funciona para manter mais ou menos coesa a base conservadora do governo no Congresso, o que é fundamental para barrar a nova denúncia contra Temer na Câmara, na eventualidade de que venha a ser aceita pelo ministro relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), Édson Fachin. Mas não é suficientemente robusta, pelo menos por enquanto, para aprovar a reforma da Previdência, por exemplo, ou um programa de cortes de despesas na administração direta que fizesse o governo caber novamente na Esplanada, que já não comporta o número de ministérios e suas repartições.

Mas há certa euforia no mercado de ações e predisposição dos investidores a embarcar no programa de privatizações do governo. Primeiro, a redução da inflação e da taxa de juros, acrescida da lei do teto de gastos, em que pese as crises e trapalhadas do governo, para os analistas financeiros, blindaram a equipe econômica. Segundo, as privatizações de importantes estatais em si costumam valorizar as respectivas ações, são música para o mercado. Mas significa que a economia será o divisor de águas das eleições de 2018, como foram, por exemplo, o Plano Cruzado, em 1986, ou o Plano Real, em 1994? Provavelmente, não.

No caso do Plano Cruzado, no governo Sarney, o forte impacto na eleição fez com que o PMDB vencesse em todos os estados, menos em Sergipe (PFL), porque havia ilusão de que acabara com a hiperinflação. Mas era um programa econômico sem sustentabilidade, que logo se revelou um fracasso, para usar as palavras do ex-ministro da Fazenda Delfim Neto. O Plano Real, sim, foi um sucesso. Teve mais sustentabilidade, pois foi um programa de estabilização da economia alavancado por um programa de reforma patrimonial do Estado, concebido com base no fracasso dos planos anteriores, o que possibilitou a vitória do PSDB, com a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso e sua reeleição. Portanto, é muito natural que o governo Temer aposte todas as fichas na economia. Mas isso dará certo?

Grande diferença
“É a economia, estúpido”, bradam os governistas, inspirados em James Carville, marqueteiro da primeira eleição de Bill Clinton e autor da frase. Teria todo sentido a afirmação se as taxas de crescimento fossem maiores; por enquanto, essa é apenas uma aposta. Mas há uma grande diferença em relação às situações anteriores aqui descritas: a crise ética. No primeiro caso, o PMDB emergia do regime militar lastreado pela campanha das diretas já e a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral. O presidente José Sarney, egresso do antigo PFL, que assumiu o lugar de Tancredo, embora fosse um político conservador, era um dos artífices da democratização. O fracasso do Cruzado, porém, resultou num fim de governo mambembe e na derrota das forças políticas que lhe davam sustentação. Quem ganhou a eleição de 1989 foi o outsider Collor de Mello, num segundo turno contra Lula. No segundo caso, o PSDB venceu as eleições porque tinha um bom candidato, Fernando Henrique, a hiperinflação havia sido ultrapassada e o governo Itamar não estava envolvido em escândalos.

É ingenuidade acreditar que a crise ética não será o divisor de águas das eleições de 2018, somente os enrolados na Operação Lava-Jato apostam nisso piamente para não desistirem de disputar o pleito. Vejam o caso do PT e de Lula, que tentam resgatar o “rouba, mas faz” das campanhas do governador Adhemar de Barros, em São Paulo, na década de 1950, em campanha aberta pelo Nordeste. O que impede Lula de se manter como alternativa de poder é a Lava-Jato, seja pelo desgaste de imagem, seja porque dificilmente escapará de novas condenações. O mesmo vale para outros políticos que desperdiçaram essa oportunidade de ouro — o petista fora da disputa — por terem adotado as mesmas práticas condenáveis.