Nas entrelinhas: A “morte” da Lava-Jato

Publicado em Justiça, Lava-Jato, Política

Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados

O bimotor turbo-hélice King Air C-90 é uma aeronave pressurizada, de pequeno porte e alta performance para uso em viagens domésticas, com capacidade para quatro ou cinco passageiros. Ganhou fama porque sua certificação autorizava transportar o presidente dos Estados Unidos. Começou a ser fabricado na década de 1970, nos EUA, pela Beechcraf Corporation. É um avião robusto, com amortecedores no trem de pouso, capaz de voar a 470 km/h, em altitudes de até 9,1 mil metros. Era desse modelo o avião que caiu no mar em Paraty com o relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Teori Zavascki, o que inicialmente alimentou suspeitas de que possa ter sido um atentado.

Não faltam interessados na morte do ministro, que já foi seguido por arapongas e ameaçado de morte, como o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Segundo relatos de testemunhas, porém, o mais provável é que o acidente tenha sido provocado pelo mau tempo na área. Quem conhece a região de Parati e Angra dos Reis, muito montanhosa, sabe que a chegada das frentes frias costuma provocar muita chuva e intenso nevoeiro, o que dificulta a visibilidade até mesmo ao nível do mar. É preciso aguardar as investigações para saber exatamente o que provocou o acidente.

Independentemente das causas, porém, a morte de Teori Zavascki terá grande impacto na Operação Lava-Jato, seja nas investigações dos políticos envolvidos com direito a foro especial, seja quanto ao julgamento dos envolvidos, devido ao seu papel de relator do caso. Teori conduzia-se à frente das investigações com muita discrição e firmeza, tendo atuado em momentos decisivos de maneira inédita para os padrões do STF, como foram os casos do afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e da prisão do ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma Rousseff.

Morosidade

Embora tivesse mais de 7 mil processos sob sua responsabilidade no STF, pretendia acelerar ao máximo o andamento do processo, cuja morosidade no Supremo já era objeto de críticas. Para isso, formou uma equipe de juízes e promotores para examinar os autos do processo e trabalhou durante o atual recesso do Judiciário para dar início às oitivas das “delações premiadas” da Odebrecht. Logo após assumir a relatoria da Lava-Jato, em conversas com colegas, revelou seu espanto com as ramificações do escândalo da Petrobras: “você puxa uma pena, aparece uma galinha”.

As delações premiadas da Operação Lava-Jato ameaçam todo o establishment político do país, por causa do uso generalizado de caixa dois nas campanhas eleitorais, nas quais a Odebrecht e outras empreiteiras eram grandes doadores. Depois do vazamento da delação do executivo Cláudio Melo Júnior, que citou dezenas de políticos, entre os quais ministros do atual governo e até o presidente Michel Temer, ganharam força no Congresso as articulações para barrar a Operação Lava-Jato. Entre os setores não envolvidos no escândalo da Petrobras, porém, havia esperança de que Teori conduzisse o caso com equilíbrio e serenidade e apartasse os casos de doações legais do caixa dois eleitoral.

Em alguns momentos, Teori atuou para conter excessos de procuradores e até mesmo do juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, responsável pelo caso, que chegou a ser advertido por Teori, quando da divulgação da conversa por telefone da ex-presidente Dilma Rousseff com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entretanto, Teori era o principal esteio da atuação dos juízes de primeira instância nos casos envolvendo o ex-presidente Lula, que foram por ele desmembrados. Era grande a expectativa sobre o momento em que quebraria o sigilo da Operação Lava-Jato em relação aos políticos, o que estava previsto para acontecer agora em fevereiro, quando da oitiva dos executivos da Odebrecht. Caberia a Teori homologar ou não acordo de delação premiada dos executivos da empresa, entre eles Emílio e Marcelo Odebrecht. Sua morte, sem dúvida alguma, deixa no ar uma grande interrogação quanto ao futuro da Lava-Jato.

Perfil

Teori fazia parte da Segunda Turma do STF, ao lado dos ministros Gilmar Mendes (presidente), Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli. Sua saída altera o perfil político e jurídico do colegiado, que tem papel importante a desempenhar durante as investigações e na apreciação de recursos. O ministro com perfil mais próximo ao seu é Celso de Mello, decano do tribunal. Os demais ministros têm atuação polêmica em relação à Lava-Jato. Não é à toa que juízes de primeira instância já se mobilizam para defender a continuidade da operação, temendo que o falecimento de Teori represente também a “morte” da Operação Lava-Jato.

A escolha do novo relator poderá ser por sorteio. Pelo regimento do STF, seria o ministro mais antigo ou o revisor em caso de licença do relator. No caso de morte, o regimento é omisso. Pode ser que a presidente do STF, ministra Cármem Lúcia, avoque a decisão para o pleno da Corte. Não há dúvida de que o novo relator, seja quem for, imprimirá sua marca pessoal ao processo. Gilmar Mendes, por exemplo, publicamente tem criticado a condução da Lava-Jato e, nos bastidores, é apontado como um dos articuladores da aprovação da anistia ao caixa dois pelo Congresso.