Nas entrelinhas: A liturgia do cargo

Publicado em Justiça, Lava-Jato, Política

Dias Toffoli assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro e já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva

“Não há limite. Vamos pensar: os caras são vitalícios, nunca serão responsabilizados via STF ou via Congresso e ganharão todos os meses o mesmo subsídio. Sem contar o que ganham por fora com os companheiros que beneficiam. Para que ter vergonha na cara?”, disparou a procuradora da República Monique Cheker no Twitter, logo após criticar o líder do governo, deputado André Moura (PSC-CE), por indicar “advogados, primos e dona de salão” para a Dataprev. A frase foi interpretada como uma crítica aos ministros do STF, o que a procuradora nega em outro post: “Não há menção a ministros do STF”.

Em reação à procuradora, o integrante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Luiz Fernando Bandeira de Mello encaminhou à Corregedoria Nacional do MP um pedido para que seja apurada a eventual menção da procuradora da República a ministros do STF que ganhariam “por fora com os companheiros que beneficiam”. No documento, Bandeira pede para que seja investigada a real autoria da publicação nas redes sociais e, se confirmada, a “eventual infração disciplinar”. Em outro post, Cheker não deixa por menos. diz que CNPM “é um órgão extremamente importante para o controle disciplinar de membros do MP mas está enfrentando uma péssima fase, olhando twitters e postagens no Facebook, sem qualquer indícios de falta disciplinar, quando há muito o que fazer no combate à corrupção.”

Na verdade, o clima esquentou entre procuradores e ministros do Supremo por causa de decisões da Segunda Turma do STF e algumas decisões monocráticas de ministros do STF libertando presos da Operação Lava-Jato e arquivando inquéritos que, depois de sucessivas prorrogações, não apresentaram provas cabais contra os indiciados. Líder da força-tarefa que investiga a Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por exemplo, não digeriu a soltura do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: “Min. Toffoli mantém preso réu que furtou uma bermuda de 10 reais. Já Dirceu, que desviou milhões e também tem mais de uma condenação em seu histórico, foi solto pelo mesmo ministro, que foi subordinado ao réu na Casa Civil”, disparou.

“Dirceu foi preso p/ cumprir pena qd vigiam cautelares (como tornozeleira). Em seguida, 2ª Turma suspendeu pena contra decisão do STF q permite prisão em 2ª instância Naturalmente, cautelares voltavam a valer. Agora, Toffoli cancela cautelares de seu ex-chefe (sic)”, escreveu o procurador. Desafeto de Dellagnol, o advogado Rodrigo Tacla Duran, investigado pela Lava-Jato, não perde uma oportunidade para atacar o procurador no Twitter: “Repudiar e desrespeitar decisão judicial de instância superior virou hábito dos que naturalmente não investigam ex-colegas e se fazem de rogado. Buscam desviar o foco com opiniões contraditórias corporativistas e hipócritas”, provocou.

Sacis e cangurus

Duran vive refugiado na Espanha e teve sua delação premiada recusada pelo juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal de Curitiba. Em outra postagem, provoca a força-tarefa da Lava-Jato: “Já ouviu falar na “denúncia saci”? É aquela da Lava Jato de Curitiba, que não para em pé, porque não tem perícia, não investiga contradições de delator e escamoteia provas contra a tese de acusação ou que possam atingir protegidos”. Dellagnol havia criticado no Twitter os recursos apresentados pelas defesas dos réus da Lava-Jato ao STF: “Já ouviu falar no ‘habeas corpus canguru’? De liminar em liminar, um processo vai pulando instâncias e chega até o STF, sem decisão definitiva nem na 1ª instância”.

Quem se deu conta de que é preciso ir devagar com o andor foi o juiz Sérgio Moro, que levou uma invertida do ministro do STF Dias Toffoli por ter intimado José Dirceu a adotar medidas cautelares, entre as quais a colocação de tornozeleiras. Moro “recuou os alfs”, como diria o folclórico Neném Prancha, grande filósofo do futebol carioca, e disse que havia interpretado de forma errada a decisão da Segunda Turma do Supremo. Havia uma certa ironia na desculpa que deu, diante da polêmica libertação do petista (provavelmente, a decisão não seria a mesma na primeira turma ou em plenário).

Mas caiu a ficha de que há uma mudança em curso no Supremo. A ministra Cármen Lúcia deixará a Presidência do Supremo em setembro. Dias Toffoli assumirá seu lugar e, de certa forma, já toma decisões levando em conta a expectativa de poder que o mundo jurídico lhe reserva. Entretanto, seria bom que o exemplo de Moro, ao respeitar a liturgia dos cargos, fosse levado em conta também pelos ministros do Supremo, que são os guardiões da ordem constitucional.