Nas entrelinhas: Insuficiência de provas

Publicado em Política

O voto de Fachin é basilar para o julgamento de outras ações  da Operação Lava-Jato, pois o mesmo entendimento pode ser adotado em relação a doações legais feitas pela Odebrecht

Uma decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, pode vir a ser o paradigma dos julgamentos dos políticos enrolados na Operação Lava-Jato, estabelecendo uma espécie de divisor de águas para as doações eleitorais supostamente feitas com recursos de caixa dois que estavam sendo tratadas como “lavagem de dinheiro”. Por unanimidade, os ministros seguiram o voto do relator Edson Fachin e rejeitaram a denúncia feita pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL). Ele havia sido denunciado em dezembro de 2016, quando ainda era o presidente do Senado, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski acompanharam o voto de Fachin. O ministro Celso de Mello, decano da Corte, não participou do julgamento. Renan é acusado de participar de esquema de desvios por meio de doações oficiais da empreiteira Serveng. Além de Renan, foram denunciados o deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) e o diretor comercial da Serveng, Paulo Twiaschor. Em troca das doações, segundo a denúncia, Renan e Aníbal Gomes supostamente ofereceram apoio político para manutenção de Paulo Roberto Costa no cargo de diretor de Abastecimento da Petrobras.

No seu voto, Fachin destacou que as delações do executivo Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras; o lobista Fernando Antônio Falcão Soares, o Fernando “Baiano”; o ex-senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS); o doleiro Alberto Youssef, doleiro; e o ex-senador Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, não foram comprovadas “diante da fragilidade dos elementos de informação apresentados para lhe dar suporte”. Para o relator da Lava-Jato, a correlação entre a doação eleitoral supostamente negociada em favor de Renan e os depósitos realizados pela Serveng na conta do diretório nacional “não encontra suporte indiciário seguro para o recebimento desta persecutio criminis”.

Coube ao ministro Ricardo Lewandowki apontar o busílis da questão: “Denúncias baseadas apenas em delações premiadas não se sustentam e não devem ser recebidas”. Principal crítico da atuação do ex-procurador Rodrigo Janot, autor da denúncia, Gilmar Mendes ainda criticou Fachin por não dar aos advogados de defesa acesso integral à delação. A Serveng fez duas doações (R$ 500 mil, em 18 de agosto de 2010, e R$ 300 mil, em 24 de setembro de 2010) ao diretório nacional do PMDB. Por causa disso, a partir do começo de 2010, a empreiteira teria conseguido participar de licitações mais vultosas na Petrobras. Para os procuradores da Lava-Jato, a operação era um esquema para lavagem de dinheiro mediante operações fracionadas: os valores doados pela Serveng saíram do diretório nacional do PMDB para o comitê financeiro do PMDB em Alagoas e então para Renan Calheiros.

Sem obstrução

O voto de Fachin é basilar para o julgamento de outras ações baseadas nesse tipo de operação, pois o mesmo entendimento pode ser adotado em relação às doações legais feitas pela Odebrecht, embora Fachin se limite a tratar do caso Serveng: “A suposta vantagem indevida em forma de doação eleitoral teria sido negociada pelos agentes públicos diretamente com um representante da sociedade empresarial supostamente beneficiada com a atuação do diretor de Abastecimento da Petrobras, o qual afirma nos autos sequer ter ciência de qual pagamento no episódio foi realizado em favor do codenunciado e também quem foi o intermediário desta operação”, justificou.

Na mesma linha de atuação, na segunda-feira, o ministro Edson Fachin havia determinado o arquivamento de um inquérito aberto para apurar se o ex-presidente José Sarney (PMDB) e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Romero Jucá (PMDB-RR) tentaram obstruir as investigações da operação. O arquivamento havia sido sugerido em setembro pelo próprio Rodrigo Janot, em função da investigação aberta a partir da delação de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobras.

Os áudios das conversas gravadas por Machado com Renan, Sarney e Jucá, sem que os interlocutores soubessem, não comprovavam a obstrução da Justiça, ainda que num deles Jucá dissesse que uma “mudança” no governo federal resultaria em um pacto para “estancar a sangria” representada pela Lava-Jato (no caso, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff).

Em nota, Renan comentou a decisão de ontem: “Foi uma demonstração de que vazamentos mentirosos e delações forçadas não se sobrepõem aos fatos reais. Nunca cometi ato ilícito algum. Por isso, acredito que essas denúncias irresponsáveis, injustas e deliberadamente fracionadas pelo ex-procurador, seguirão o destino das quatro já arquivadas e serão rejeitadas uma a uma.”