Nas entrelinhas: Fogo amigo ou desembarque

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Se não houver mudança de última hora, o programa de tevê do PSDB acusará o presidente Michel Temer de praticar um “presidencialismo de cooptação”, num momento em que o governo perde a narrativa da responsabilidade fiscal

O programa do PSDB vai ao ar hoje com duras críticas ao governo Temer, em meio à crise na cúpula do partido. Oficialmente, é uma decisão monocrática do presidente interino da legenda, Tasso Jereissati (CE), mas que tem o apoio velado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sob o silêncio ensurdecedor do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Os líderes tucanos se digladiam nos bastidores desde a denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da República, mas esse assunto já são águas roladas. O que mexe com a legenda agora é a escolha do candidato ao Palácio do Planalto nas eleições de 2018.
Se não houver mudança de última hora, o programa de tevê do PSDB acusará o presidente Michel Temer de praticar um “presidencialismo de cooptação”, num momento em que o governo perde a narrativa da responsabilidade fiscal e tem sua governabilidade garantida apenas pelo chamado “Centrão”, cuja marca registrada é o toma lá dá cá. Embora quem tivesse que ser cooptado na votação da aceitação da denúncia pela Câmara já o foi; agora, o governo está despejando os apadrinhados dos deputados considerados “infiéis”. Tanto o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB-PE), quanto o ministro da Secretaria de Governo, Antônio Imbassahy (PMDB-BA), estão no pelourinho por causa da posição ambígua do partido.

Com ilustrações gráficas, em 10 minutos de vídeo, o programa define a natureza do governo Temer: “Presidencialismo de cooptação é quando um presidente tem que governar negociando individualmente com políticos ou com partidos que só querem vantagens pessoais e não pensam no país. Uma hora, apoia. Outra, não. E quando apoia, cobra caro”. Além desse trecho do programa, o outro ponto a gerar grande discórdia é a autocritica do partido — “O PSDB sabe que é hora de assumir os seus erros” —, na qual os tucanos admitem que aceitaram “como natural o fisiologismo, que é troca de favores individuais e vantagens pessoais em detrimento da verdadeira necessidade do cidadão brasileiro.” Ou seja, fizeram tudo aquilo que condenavam quando fundaram a legenda.

Não haveria momento pior para um debate interno como esse, pois a proposta de revisão da meta fiscal para um deficit de R$ 159 bilhões de deficit neste ano e no próximo, respectivamente, um aumento de R$ 20 bilhões e outro de R$ 30 bilhões em cada ano, coloca em xeque a narrativa da austeridade e da responsabilidade fiscal do governo, tão caras à legitimação da participação do PSDB na coalizão “cooptada”. O aumento linear da contribuição dos servidores à Previdência e a suspensão de pagamento de aumentos que o próprio governo havia negociado com os funcionários da administração federal, para complicar ainda mais o ambiente, prometem muitos tumultos na Esplanada e mais toma lá dá cá no Congresso.

De olho nos ministérios ocupados pelo PSDB, os deputados do “Centrão” vão se aproveitar dessa situação para aumentar a pressão, beneficiados também pelo clima de “vaca estranhando bezerro”, como dizem os políticos, criados pelas propostas de “distritão”, “fundão” e “doações ocultas” na reforma política. É o próprio líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-CE), que comanda as articulações. Ele foi o principal artífice da vitória de Temer na bancada governista e agora quer ser ministro. Os tucanos têm quatro pastas: Secretaria de Governo, Relações Exteriores, Cidades e Direitos Humanos. Se depender do presidente Michel Temer, permanecerão, mas o fogo amigo pode precipitar o desembarque tucano se o programa do partido não for alterado.

No telhado

Subiu no telhado a proposta de votação do fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões aprovado pela comissão especial da reforma política. O relator da comissão, Vicente Cândido (PT-SP), numa manobra de última hora, anunciou a retirada do texto da previsão de que 0,5% da receita do governo seja destinado às campanhas eleitorais. A proposta é criar o fundo e alocar os recursos depois da reforma, na Comissão Mista de Orçamento do Congresso. Com o pomposo nome de “Fundo Especial de Financiamento da Democracia”, a proposta está praticamente órfã, tamanha a reação contrária que provocou.

Também subiu no telhado, como a coluna antecipou, a proposta de “distritão”. Agora, o que se discute é outra jabuticaba, o “distritinho”, no qual o voto da legenda de cada partido seria distribuído entre os 10 mais votados, ou seja, trocou-se o modelo afegão por uma jabuticaba. Ontem, os deputados discutiam a reforma como perus na véspera da ceia de Natal, para voltar à analogia que sintetiza a situação. O ex-presidente da Câmara Marco Maia (PT-RS), um dos deputados enrolados na Operação Lava-Jato, tentava encerrar a discussão e votar as propostas . Sem sucesso, Rodrigo Maia encerrou a sessão por falta de quorum. A maioria preferiu assistir ao jogo do Flamengo com o Botafogo.

(Publicado no Correio Braziliense em 17/08/2017)