Nas entrelinhas: A defesa prévia

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A probabilidade de a nova denúncia contra Temer ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que terá para o ajuste fiscal

O presidente Michel Temer desistiu da volta antecipada da China. A versão oficial de que seria para aprovar a mudança da meta de deficit fiscal de R$ 129 bilhões para R$ 159 bilhões estava sendo interpretada como decorrente da delação premiada do doleiro Lúcio Funaro. Devolvida ao Ministério Público Federal, na última quarta-feira, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, para que sofresse retificações, foi reenviada em menos de 48 horas ao relator da Operação Lava-Jato no STF pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que tem apenas mais duas semanas de mandato.

A reação inicial do Palácio do Planalto alimentou as especulações. Lembrou Crime e Castigo, o clássico da literatura universal do escritor russo Fiodor Dostoievski. O romance narra a história de Raskólnikov, um estudante muito neurótico e introspectivo, para quem homens como César e Napoleão foram responsáveis por milhares de mortes, entretanto, foram considerados pela história como grandes heróis e conquistadores. Raskólnikov se questiona: “Se Napoleão matou milhares e foi absolvido pela história, por que ele também não seria se matasse a velha proprietária do imóvel que alugava e que vivia de juros? Não estaria ele fazendo um bem à humanidade?”

Ninguém sabia que ele havia matado a usurária, pois cometera um “crime perfeito”. Mas aí surge o sentimento de culpa. Raskólnikov não é o primeiro suspeito, porém, durante o interrogatório, o juiz parecia desconfiar de que ele era o autor do crime. À medida que os interrogatórios vão se multiplicando, Raskólnikov perde o controle da situação e acaba confessando.

Na expectativa de que Janot apresentará nova denúncia contra Temer nesta semana, o Palácio do Planalto divulgou uma nota na qual afirma que a delação de Funaro possui “inconsistências e incoerências” e que o procurador-geral tem “vontade inexorável de perseguir o presidente da República”. O texto afirma que o próprio Ministério Público Federal descreveu Funaro como uma “pessoa que tem o crime como modus vivendi” e que já havia sido beneficiado com colaboração premiada, mas “prosseguiu delinquindo”. O problema é que a delação ainda está em sigilo, não se sabe o verdadeiro teor das denúncias.

“Quem garante que, ao falar ao Ministério Público, instituição que já traiu uma vez, não o esteja fazendo novamente? Se era capaz de ameaçar a vida de alguém para escapar da Justiça, não poderia ele mentir para ter a pena reduzida? Isso seria, diante de sua ficha corrida, até um crime menor”, afirma a nota da Presidência, que acusa Janot de perseguição a Temer. “Qual mágica teria feito essa pessoa, que traiu a confiança da Justiça e do Ministério Público, ganhar agora credibilidade?”, dispara o Planalto.

Essa defesa prévia pode ter sido um tiro no pé. Nos depoimentos, o doleiro afirma que recebeu R$ 400 mil da JBS, do empresário Joesley Batista, para se manter em silêncio. Ninguém sabe, porém, se Funaro atribui a ordem do pagamento a Temer ou implica o presidente em qualquer outro crime. Antes de fechar o acordo com os investigadores, Funaro havia dito à Polícia Federal que os pagamentos foram feitos para quitar uma dívida antiga com a JBS, visto que intermediou negócios da empresa.

A versão de Joesley, porém, é de que pagava para que o doleiro e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) permanecessem calados e que relatou isso a Temer, em conversa à noite, no Palácio do Jaburu. A primeira denúncia contra Temer, por corrupção passiva, barrada pela Câmara no início de agosto, se baseava na delação de Joesley Batista. A probabilidade de a nova denúncia também ser rejeitada pela Câmara é igual ou até maior do que a anterior, o problema é o custo fisiológico que isso terá para o governo.

Luz no túnel
A volta de Temer e a nota da presidênca são sintomas de que teremos uma semana tensa, na qual o governo tentará aprovar a mudança da meta fiscal e capitalizar o crescimento de 0,2% da economia brasileira no segundo trimestre em relação ao período imediatamente anterior. É uma luz no fim do túnel da recessão, pois mostra que a expectativa de recuperação gradual da economia deve se manter nos próximos meses. É um alento para a sociedade e os agentes econômicos, mas isso não significará reverter o desgaste do governo por causa do envolvimento de seus integrantes na Lava-Jato.

Os dados divulgados na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreenderam positivamente o mercado devido ao aumento do consumo, que subiu 1,4% na comparação com o período imediatamente anterior. É resultado da liberação das contas inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a queda dos juros, do desemprego e da inflação. Esses fatores continuarão estimulando o consumo e a atividade nos próximos meses, prevê a Confederação Nacional da Indústria (CNI), com exceção dos saques do FGTS.

O problema é que os investimentos continuam caindo. Com a queda de 0,7% no segundo trimestre, representaram apenas 15,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Antes da crise, eram 20% do PIB. Essa variável da economia é fortemente influenciada pela situação política. Isto é, pelo desgaste causado ao governo pelas denúncias da Operação Lava-Jato e as dificuldades para aprovar as reformas, principalmente a da Previdência.