Nas entrelinhas: Corda esticada

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Embora desgastado e no fim do mandato à frente da Casa, Renan resolveu levar às últimas consequências seu enfrentamento com STF 

A Mesa Diretora do Senado decidiu não acatar a medida liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello e manteve o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) na presidência da Casa, até que o plenário do STF julgue em definitivo o caso. A decisão da cúpula do Senado foi assinada também pelo senador Jorge Viana (PT-AC), primeiro-vice-presidente do Senado, e acirra a crise entre os poderes Legislativo e Judiciário. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, submeterá a decisão monocrática de Marco Aurélio ao pleno do tribunal na sessão de hoje. “Tudo que for urgente para o Brasil, eu pauto com urgência”, disse. A corda está completamente esticada.

Renan não assinou a citação do oficial de Justiça. Disse que vai “aguardar a decisão do Supremo” sobre seu afastamento do cargo. “Há uma decisão da Mesa Diretora do Senado que precisa ser observada do ponto de vista da separação dos poderes”, argumenta, para em seguida criticar Marco Aurélio: “Ao tomar uma decisão para afastar, a nove dias do término do mandato, um presidente do Senado Federal, chefe de um Poder, por decisão monocrática, a democracia, mesmo no Brasil, não merece esse fim.”

A decisão da Mesa, solidária com Renan, desagradou a muitos senadores, de Lindbergh Farias (PT-RJ), para quem “decisão judicial se cumpre”, a Ronaldo Caiado(DEM-GO), contrário a “criar um enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal”. Os próprios integrantes da Mesa, 10 minutos após tomarem a decisão, modificaram seu texto. Originalmente, o artigo 1º afirmava explicitamente que a decisão não seria acatada: “Art. 1º: Aguardar a deliberação final do Pleno do Supremo Tribunal Federal, anteriormente à tomada de qualquer providência relativa ao cumprimento da decisão monocrática em referência”. Na segunda versão, prevaleceu a ambiguidade: “Art. 1º: Aguardar a deliberação final do Pleno do Supremo Tribunal Federal.”

O clima no Senado ontem era de muita perplexidade com a evolução da crise com o Supremo Tribunal Federal (STF). Ninguém esperava a decisão de Marco Aurélio, nem a reação da Mesa do Senado. Embora desgastado e no fim do mandato à frente da Casa, Renan resolveu levar às últimas consequências seu enfrentamento com STF e arrastou a instituição para um terreno pantanoso. Seu sucessor natural no cargo, o senador Eunício de Oliveira (CE), líder do PMDB, mergulhou. Em situações parecidas, costuma dizer que é de segurar o caixão até a cova, mas não pula dentro. Território de ex-ministros e ex-governadores, até agora nenhum senador se posicionou como grande articulador de uma saída para a crise. O presidente do PSDB, Aécio Neves, se pronunciou apenas em relação à votação da PEC do teto dos gastos públicos, prevista para próxima semana.

Temperatura máxima

No Supremo, a situação também é muito tensa. O ministro Gilmar Mendes fez críticas duríssimas a Marco Aurélio, chegando a chamá-lo de maluco. Entretanto, em viagem ao exterior, não estará presente à sessão. Dos 11 ministros, somente nove participarão da votação. O ministro Luís Roberto Barroso se declarou impedido, porque já fez parte do escritório de advogados que assinaram a ação da Rede que pediu o afastamento de Renan. Ninguém acredita, porém, na possibilidade de Marco Aurélio determinar a prisão de Renan por descumprir a sua liminar.

Apesar das críticas e do mal-estar criado entre os colegas, a tendência da maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é referendar a polêmica decisão de Marco Aurélio. Nesse caso, ainda existe a possibilidade de uma nova escalada de confronto, pois o plenário do Senado, constitucionalmente, pode manter Renan no cargo, o que agravará a crise entre os poderes. Cármem Lúcia evitou acirrar os ânimos e afastou temores de uma ruptura entre as instituições: “Acho que, se estivessem mais fracas, nem nós teríamos capacidade de produzir jurisprudência. Foram tomadas decisões importantes em vários setores. Importante que, neste momento de crise financeira, crise ética, a gente continue mantendo a rota.”

O presidente Michel Temer chamou Renan para uma conversa sobre a crise, cujo inteiro teor é desconhecido. A versão oficial é de que teriam tratado da votação da PEC do teto dos gastos públicos, considerada crucial para o ajuste fiscal. As relações de Renan e Temer sempre foram tensas, mas houve uma aproximação entre ambos na reta final do impeachment de Dilma Rousseff. Aliados do presidente do Senado se queixam de que Renan foi abandonado por Temer. Na verdade, a situação de Renan é muito delicada. Além de ser réu numa acusação de peculato decorrente de um caso extraconjugal, escândalo que à época obrigou-o a renunciar à Presidência do Senado para evitar a cassação de seu mandato pelos próprios colegas, enfrenta também oito inquéritos ligados à Operação Lava-Jato. Não foi à toa que se insurgiu contra o juiz Sérgio Moro e os procuradores federais, acusando-os de abuso de poder.