Caixa dois e pé no barro

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O modelo de financiamento adotado não é compatível com o sistema eleitoral vigente — as eleições proporcionais — devido ao número de candidatos e ao tamanho dos colégios eleitorais

Há uma desorientação geral nos partidos políticos quanto ao financiamento das campanhas eleitorais, em razão das novas regras estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu o financiamento privado de pessoas jurídicas, e do Tribunal Superior Eleitoral, que estabeleceu os limites das doações individuais para cada partido, município por município, com base nos gastos declarados pelas legendas nas eleições passadas.

Como quase tudo o que acontece quanto às relações entre a União e os demais entes federados, a fórmula seguiu os preceitos positivistas que fundaram a República: partiu-se do princípio de que todos os políticos defenderão o bem comum. Na prática, a maioria defende as respectivas corporações ou os grupos econômicos aos quais estão ligados, por razões geográficas ou ramos de negócio. Raros são aqueles que ainda se elegem pelo voto de opinião. Quando isso acontece, muitas vezes, o voto é uma forma de protesto contra a política e os políticos.

Criou-se, porém, um “buraco negro” na legislação: partidos e candidatos não sabem como vão financiar a próxima campanha eleitoral. A cúpula dos partidos políticos lava as mãos. Como as eleições são municipais, os caciques vão determinar suas prioridades e ver o que vai acontecer, para depois mudar a legislação, como sempre fazem, quando estiverem em jogo os mandatos estaduais e federais. Mesmo com a elevação dos valores do Fundo Partidário, que foram triplicados, as verbas disponíveis para o financiamento público, via as direções nacionais dos partidos, são consideradas insuficientes para bancar os custos da campanha nos municípios.

Marqueteiros e dirigentes partidários avaliam que as campanhas terão que se redimensionar, com mais peso às redes sociais e ao corpo a corpo com os eleitores, o chamado pé no barro. Os programas de televisão, porém, continuarão a fazer a diferença junto à grande massa de eleitores que só se interessa pela política às vésperas da eleição. E continuarão sendo como um vestido de noiva, isto é, quanto mais caro, mais bonito. Além disso, houve a “mercantilização” absoluta das campanhas eleitorais, mesmo em pequenos municípios do interior. São raros os militantes que ainda fazem campanha sem receber algum dinheiro em troca.

Essa “profissionalização” de cabos eleitorais e equipes de campanha é uma espécie de dependência química. Um verdadeiro exército mercenário vive agora uma crise de abstinência, pois as eleições se aproximam e o dinheiro que costumava circular nas campanhas eleitorais até agora não apareceu. Haja vista que, segundo a ONG Transparência Brasil, as campanhas municipais custaram R$ 4,6 bilhões há quatro anos; em 2014, nas eleições nacionais e estaduais, o financiamento superou R$ 5 bilhões.

O Fundo Partidário, a ser repartido entre todas as legendas, será de R$ 819 milhões. É quase três vezes maior do que o de 2014 (R$ 289,5 milhões), porém, menor do que o liberado no ano passado: R$ 867,5 milhões. Diante disso, avalia-se que os prefeitos candidatos à reeleição e candidatos apoiados pelas máquinas municipal, estaduais e federal terão maiores chances. Contarão com os funcionários contratados pelas administrações, além da ajuda de fornecedores, para estruturar suas campanhas. Mas isso, é bom lembrar, também implica em risco de cassação por abuso do poder econômico.

Remendos
A proibição do financiamento de empresas às campanhas eleitorais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) teve amplo apoio da opinião pública, mas nem por isso deixou de ser uma intervenção errática e intempestiva no processo político, como outras decisões da Corte. Como o STF e o TSE só decidem sobre assunto provocado pelos partidos políticos ou terceiros, o que explica essas decisões, o Judiciário não tem a prerrogativa de propor uma reforma política, o que caberia ao Executivo, muito menos de aprová-la, o que cabe ao Congresso. Faz apenas remendos.

O grande problema é que o modelo de financiamento adotado não é compatível com o sistema eleitoral vigente — as eleições proporcionais — que implicam em campanhas dispendiosas devido ao número de candidatos e ao tamanho dos colégios eleitorais. Seria mais coerente a adoção do voto distrital ou distrital misto, o que poderia ter sido feito como experiência nessas eleições municipais, por lei ordinária, ou seja, sem necessidade de emendas à Constituição. Ocorre que a maioria dos partidos e dos políticos, principalmente os deputados, desacostumados às disputas majoritárias, são contra a mudança.

Em tese, o novo sistema de financiamento estimula pequenas doações de pessoas físicas, o que contribuiria para resgatar a militância partidária e democratizar as campanhas eleitorais, inibindo o poder econômico. Entretanto, a desmoralização da política e dos partidos, devido aos escândalos e à corrupção, afasta os cidadãos da política e inibe as doações. Na prática, quem já tem um caixa dois de campanha fará uso dele nas eleições de forma dissimulada. O forte da Justiça Eleitoral não é impedir que isso ocorra, é evitar fraudes na votação e na apuração. Caso também o fosse, não haveria Operação Lava-Jato.