VISTO, LIDO E OUVIDO

Publicado em Íntegra

circecunha@gmail.com; arigcunha@ig.com.br

Precisa-se de heróis

Nós, brasileiros, somos carentes de heróis. Se a música é o samba, logo aparece um bicheiro ganhando dinheiro com o tráfico. Se é funk, drogas, crimes e sexo sem freios. Se é no futebol, vem a máfia do apito, ou o jogador idolatrado é flagrado em situação escabrosa, desobedecendo aos superiores ou trocando gentilezas com criminosos. Uma pregação impecável na igreja, lágrimas, voz rouca, sentimento à flor da pele e um buraco na Bíblia para carregar milhares de dólares e sonegar impostos. Ou o pedido de perdão pelos pedófilos que comandavam os leigos. Ou, ainda, o voto, dado com toda a convicção. Você brigava para defender seu candidato. Até amigos perdeu com tanto fanatismo. E depois viu sua confiança perdida ou enterrada em uma Caixa de Pandora, ou na boca de um sanguessuga, ou no mensalão, ou em uma Operação Satiagraha, que tentou mostrar a firmeza de uma verdade.

Uma volta pelo Museu da Corrupção deixa qualquer brasileiro triste. Uma fissura se abre e daí não há como negar. A deseducação se espalha pelo ar. Filmes na TV ensinando atrocidades inimagináveis poluem pensamentos de crianças com a personalidade ainda em formação. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara jogou para a plateia o assunto baixaria na TV. Nada foi resolvido. Tudo continua como antes.

Neta batendo nos avós, crianças estimuladas a mentir, adolescentes grávidas, famílias se desintegrando com gritos e completa falta de respeito. Programas que ridicularizam as pessoas atacam com piadas destruidoras. O brasileiro passa mais de duas horas na frente da televisão bombardeado por violência, pornografia e consumismo. É melhor a mais bonita, o mais rico. Merece reverência aquele vilão da novela. A pregação é separar as pessoas por cores, preferências sexuais, sotaques. Sempre a desunião toma força. Mas a esperança não morre. Programas como o Conquista Criança, Guarda Mirim, Futebol Cidadão, Prosepa, Adolescentes, Batuque, Nossa Casa, Pescar, Segundo Tempo, Travessia, O Pequeno Nazareno, Doutores Alegria, Criança Feliz e tantos outros levados a sério por pessoas que se dedicam a resgatar a infância perdida ou a preservá-la.

Há políticos sérios empenhados em desatar os nós da violência criando leis para punir mais severamente aqueles que roubam a infância de meninos e meninas nascidos em lares pobres ou ricos. Há jogadores de futebol, vôlei, basquete, tênis e outros esportes que honram as medalhas que beijam. Há também os artistas e diretores de novelas ou editores de jornais na TV empenhados em lutar por uma sociedade mais justa e pela paz.

Perdão, criançada de Realengo. Nós temos assistido a toda corrupção de braços cruzados. Poderíamos ser heróis dando bons exemplos, lutando pela melhoria na qualidade das relações humanas. Desculpe, meninada, não termos agido por um Brasil sem jeitinhos. Aquela fila furada, aquele troco errado escondido, aquele nervosismo com o vizinho. Assistimos de camarote a todas as cenas em que os professores tiveram negado o direito a trabalho mais digno. Mesmo cansados e sobrecarregados de tarefas, eles não desistem porque acreditam que vale a pena apostar em um futuro melhor. Mesmo que eles não ganhem salário de artista ou de jogador de futebol, cumprem script de orações para ter forças para o dia seguinte. Eles levam nos passos a certeza de que estão trilhando até um país melhor.

Temos negligenciado a solidariedade. Até um sorriso e um olhar nos negamos a dar. Temos perdido tanto tempo sem conversa, sem diálogo, sem gargalhadas e histórias engraçadas só para não perder aquele programa na TV. Estamos tão perto e tão longe uns dos outros. Perdão, garotada. Fomos tão passivos com cada cena de violência exibida nas telas, nas ruas, nas salas de aula. Somos covardes para exigir punição. Passaram Isabela Nardoni, João Hélio e tantas outras crianças que perderam a vida. Nós não fizemos nada. Quem sabe um dia esse berço esplêndido que embala nossos gigantes deixe de existir. Só agindo, teremos heróis. Heróis reais. Homens de bem. (Circe Cunha)

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